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quarta-feira, 30 de julho de 2025

E ai, já Lacrou hoje ?

 


A extrema direita adora usar a palavra “lacração”. É o xingamento preferido deles — quase uma senha secreta, tipo “Avada Kedavra”, mas aplicada contra diversidade. Falou em representatividade? Lacração. Mulher protagonista? Lacração. Personagem gay? Ihhh, lacração nível hard. Tem mais de três mulheres falando numa cena? Absurdo, é praticamente a revolução cultural maoísta disfarçada de filme da Marvel.

Mas o que ninguém comenta — e aqui vai o plot twist — é que ninguém lacra mais do que a própria extrema direita. São os verdadeiros mestres da lacração. Se existisse um reality show chamado Brasil Lacra Mais, eles ganhavam com 90% dos votos e ainda choravam no confessionário dizendo que estavam sendo censurados.

Eles lacram contra tudo: lacram contra drag queens lendo histórias, contra camisetas com arco-íris, contra publicidade com casais felizes que não sejam do tipo Barbie & Ken. Lacram contra vacina, contra artistas, contra professores, contra vento, contra nuvem. O céu não pode ter muitas cores senão já é progressismo atmosférico.

Enquanto isso, a “lacração” que tanto os incomoda geralmente vem de grupos pequenos, tentando chamar atenção pra alguma causa — às vezes com exagero, sim, às vezes com uma dose de autoindulgência, claro, mas quase sempre com alguma vontade genuína de mudar alguma coisa. Já a lacração da direita vem com raiva, dedo em riste e, claro, um vídeo no YouTube com thumbnail gritando em caixa alta: “ACABARAM COM NOSSA INFÂNCIA!”. Eles não poupam ninguém — nem mesmo filmes feitos para adolescentes muçulmanas. Como ousam, afinal, fazer um filme que não seja feito pra eles? Que ultraje! Que ameaça! Um filme que fala com outro público? Claramente, isso é lacração.

Tem até marmanjo que entra em crise existencial só de ver uma mulher magra batendo em homem num filme de ação. Dá tilt. A suspensão da descrença some como mágica. Esquecem que cresceram achando perfeitamente plausível o Schwarzenegger derrubar um exército com uma metralhadora numa mão e um tronco de árvore na outra. O Stallone podia tomar trinta tiros, cair de um penhasco, levantar e ainda ganhar no soco. Tudo certo. Mas quando uma atriz de 50 quilos aplica uma chave de braço num capanga genérico, pronto: a credibilidade do cinema morreu, o declínio do Ocidente começou.

Mas vai ver o problema sou eu, com esse gosto esquisito de achar mais interessante ver a Charlize Theron de colante  do que o Stallone, oleoso e arfante, grunhindo frases de efeito entre uma explosão e outra.

E o mais curioso é que parece existir uma espécie de cronologia sagrada: A.E. e D.E. — Antes do Esquerdismo e Depois do Esquerdismo. No Antes, tudo era permitido: Ripley detonando alienígenas? Ícone. Red Sonja partindo bárbaros ao meio? Cinema de verdade. Xena girando espada no ar com frases de efeito? Arte.

Mas no Depois, se o filme é atual e tem uma protagonista que não está ali só pra ser salva ou sensualizada, pronto: crise. A narrativa perdeu o rumo, o roteiro é militante, o diretor deve ser comunista vegano. O mesmo cara que achava super verossímil um policial de meia-idade salvar Nova York descalço agora exige precisão balística, coerência histórica e justificativa ideológica pra cada chute que uma mulher dá. A régua ficou bem seletiva

É engraçado como quem mais reclama da lacração parece viver dela. Como se estivessem num eterno programa de auditório: cada vez que uma marca posta algo minimamente progressista, lá vão eles bater panela no Instagram, exigindo boicote como quem tá salvando a civilização de um apocalipse de purpurina.

E aí tem o tal do “woke”, que eles repetem como papagaio treinado, sem a menor ideia do que significa. É só mais uma senha, passada de cima para baixo, para sinalizar pertencimento à turma. Uma espécie de palavra mágica: pronunciou, pronto, já fez sua parte na cruzada contra tudo que assuste o mundinho em preto e branco onde vivem.

Então da próxima vez que gritarem "lá vem a lacração!", sorria. Porque provavelmente é só mais um episódio de Lacra ou Surta: edição ultraconservadora — e eles, como sempre, estão no papel principal.




segunda-feira, 28 de julho de 2025

SAUDADES DA MINHA LEMBRANÇA - ESCALANDO AS PAREDES

Saudades da minha lembrança foi o titulo de um livro que reune, no começo do século algumas crônicas que escrevia para jornais. Adoro esse titulo que algum tempo depois o cantor Nervoso deu por um zeigeist absurdo para o seu primeiro disco solo (Alias tem uma entrevista que fiz com o cantor nesse link)

Hoje não usaria mais como titulo do livro para nao parecer que roubei o titulo,  mas sem pudor de usar aqui no blog nessa serie de artigos onde pretendo rever alguns  textos que hoje acho bem amadores mas de alguma forma as ideias permanecem. Pretendo reescreve-los, tentando deixar mais contemporâneo e ao mesmo tempo que mudo o ponto de vista sobre algumas coisas. No final acrescento o texto original

Indice

Saudades - uma introdução  

Saudades 2 - O Iluminado



 No começo dos anos 2000, o cinema de super-heróis ainda era um território desconhecido, quase um campo aberto para surpresas. Não se sabia que dali, pouco a pouco, nasceria uma indústria tão gigantesca e saturada que hoje, com tantos lançamentos, a novidade se perdeu entre fórmulas repetidas e criatividade escassa. Era um tempo diferente, mais inocente, quando a chegada de um filme como O Homem-Aranha gerava genuína expectativa — um momento em que o herói ainda parecia único.

Homem-Aranha sempre foi um dos meus personagens favoritos da infância — mais pelo desenho da TV, em que ele dividia a cena com o Homem de Gelo e outros amigos, do que pelos gibis propriamente ditos. Quando pequeno, os quadrinhos que realmente me pegavam eram os da Disney, Turma da Mônica e outras revistas mais infantis. Os de super-heróis vinham menos, com algumas exceções pontuais.

Curiosamente, o primeiro gibi do Homem-Aranha que li foi justamente um da RGE, com a história da morte da Gwen Stacy. Eu nem sabia quem ela era — no desenho ela não existia — e, de repente, ela morria. O impacto emocional foi quase nulo. Mas algo ali incomodava. Talvez não pela personagem em si, mas pela ideia de que alguém podia simplesmente morrer numa revista em quadrinhos. Para uma criança, aquilo já era desconcertante o suficiente. Depois comprei alguma edição pontual como a que ele usava o uniforme negro pela primeira vez.

Anos depois, já adolescente, comecei a realmente acompanhar o Aranha com minissérie  A Última Caçada de Kraven, que me levou a comprar os dois títulos do aracnídeo que saia em banca. Coincidentemente, a poucos números dali (seis edições, se me lembro bem), a revista A Teia do Aranha republicou a saga da morte da Gwen. E dessa vez foi diferente. Com mais bagagem, e acompanhando a personagem por uma sequência de historias, deu para criar uma verdadeira conexão. A tragédia ganhou peso. O luto, contorno. E o gibi, enfim, me pegou de verdade.

Minha cidade teve um cinema de rua — o único, aliás — e durou só até os anos 80. Depois disso, nos anos 90 inteiros, quem quisesse ver um filme na telona precisava pegar estrada. No meu caso, Bauru era o destino mais frequente; de vez em quando, Jaú. Mas aí, nos anos 2000, o cinema da cidade reabriu no mesmo local. E o primeiro filme exibido foi justamente O Homem-Aranha. Eu já tinha assistido semanas antes, numa dessas andanças, mas voltei — claro que voltei — só pelo gosto de ver o herói balançando entre prédios no mesmo lugar onde, décadas antes, eu via o Super Homem, o Rambo e o Didi. Naquela época nem tão distante assim, os lançamentos iam primeiro pros cinemas grandes. Os pequenos esperavam: uma cópia aqui, outra ali, e às vezes o filme chegava com um mês de atraso, como se tivesse vindo a cavalo. Hoje, com o digital, basta pagar. 

E, de fato, foi incrível. O filme O Homem-Aranha não apenas conquistou plateias, mas acendeu paixões raras, aquelas que não se veem em todo lançamento. A crítica celebrou, o público adorou, e os produtores sorriram com razão. À época, na locadora, ao pegarem a fita (sim, fitas!), as pessoas comentavam, quase sempre com um sorriso, “adorei esse filme”. Poucos resistiram aquela figura que pendia entre os prédios de Nova York.

Havia algo de especial naquele tempo, uma sensação difícil de encontrar hoje. Os trailers não vazavam antes da hora, os spoilers — aliás, quase ninguém usava esse termo — não surgiam travestidos de memes. A experiência de ver um filme ainda era preservada, quase intacta, como se o tempo ao redor respeitasse aquele momento.No geral, ninguém se importava tanto com essas pequenas revelações que certamente chegariam a você . Ir ao cinema ainda era um pequeno ritual: combinar com os amigos, encarar a fila, escolher a melhor poltrona, comprar pipoca com refrigerante grande e mergulhar de cabeça na história. E se você perdesse o filme nos cinemas, era preciso paciência — ele só chegaria à locadora meses depois. Na TV aberta, então, nem se fala. Era outro ritmo, outro tempo. Perder o momento significava, de fato, ficar de fora da conversa por um bom tempo.

Mas o que torna o Homem-Aranha tão especial?

Para os fãs dos quadrinhos, a resposta é clara: a fidelidade com que o personagem foi tratado. Apesar de algumas mudanças na história — e não foram poucas —, a essência do herói permaneceu intacta. Peter Parker, em sua complexidade humana, nunca foi traído. É verdade que, hoje, alguns "especialistas de internet" discordariam com veemência — mas talvez o problema deles seja menos com o filme e mais com questões que só um bom terapeuta resolveria.

Para o público em geral, o encanto está na identificação. Não é o Homem-Aranha que toca o coração, mas o próprio Peter Parker. Um adolescente comum, cheio de dúvidas, inseguranças e anseios. Um jovem que tem uma tia que mais parece uma avó protetora e um amor platônico que palpita no peito. Quem não foi adolescente, ou ao menos carrega um resquício daquela idade, pode reconhecer a si mesmo nessas cenas. Por mais cínicos que nos tornemos com o tempo, há ali uma fagulha que ainda pulsa — uma memória que insiste em permanecer. É como se o filme, em meio à ação e aos efeitos, sussurrasse com delicadeza: “você também já foi assim.”

Do ponto de vista da crítica, o filme é bastante contido, com enquadramentos que às vezes lembram uma produção para a TV e um formato de tela que parece equivocado para o cinema. O sucesso do primeiro permitiu a Sam Raimi mais liberdade para ousar, o que resultou em um segundo filme muito mais bem feito e tecnicamente refinado. Mas, desde o começo, o personagem já cativava o público de forma profunda e genuína.

E no fim, talvez o mais importante: todos, mesmo que por um instante, querem ser o Homem-Aranha. Não apenas pelos poderes ou pelas acrobacias espetaculares, mas pela ideia de que é possível carregar o peso do mundo sem abrir mão da própria humanidade. De que responsabilidade e sacrifício, mesmo em silêncio, podem ter valor. Porque, no fundo, o que o filme propõe não é fantasia — é a pergunta silenciosa sobre quem escolhemos ser quando ninguém está olhando.


 

 

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A seguir o texto original, publicado na época em jornais locais

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                Incrível o filme “O Homem Aranha”. Não me lembro de nenhum outro filme sobre quadrinhos suscitar tantas paixões. O público adorou, a crítica saudou e os produtores nem se fala.

 

                 Outro dia um amigo meu me contou espantado que sempre ouve as pessoas na locadora, ao pegarem o filme na mão e comentarem “adorei esse filme”. Realmente, poucos não gostaram.

                 

Mas o que o Homem-Aranha tem de tão especial ?

 

                 Para os fans dos quadrinhos foi sem duvida a fidelidade que o personagem foi tratado. Desculpe-me os puristas, mas as mudanças na história (que foram bastantes) não chegaram a nenhum momento a afetar a personalidade do herói.

 

                 Para o público em geral é a identificação com o heroi. Ele é real. Não o Homem Aranha, mas o verdadeiro herói da série, Peter Parker.

                 

                 Peter é um adolescente como qualquer outro, cheio de duvidas e anseios próprios de sua idade. Tem uma tia (que mais parece uma avó) que o mima e um grande amor platônico. E ora, quem não é adolescente pelo menos um dia foi (ou virá a ser). Por mais cínica que for a pessoa em admitir, algo em seu coração vai pulsar.

 

Para a crítica temos um ótimo roteiro, ótimos atores nos papéis corretos (só Willian Dafoe está um pouco descontrolado) e excelentes efeitos em CGI que parecem reais. Sem falar na direção segura de Sam Raimi, (Evil Dead) que já vinha dando sinais de maturidade desde “Um plano simples” (1998). O mesmo Sam Raimi que já tinha feito um bom-filme-de-quadrinhos-sem-ser-de-quadrinhos, “Darkman” (1990). O filme padece de planos mais ousados, o que seria compensado na parte 2, tecnicamente melhor, mas era só um detalhe perto das grandes emoções proporcionadas pelo filme.

 

E o mais importante de tudo. Todos querem ser o “Homem Aranha”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



Wet Leg

Quando o Wet Leg apareceu com “Chaise Longue” (vide clipe no final) em 2021, parecia mais um caso típico de viral passageiro: clipe caseiro, riff simples, letra provocativa. era uma releitura dos punk setentista de bandas como Wire ou The Fall  passando pelos anos 90 em bandas como Bleeders e Elásticas. Mas havia algo a mais no som — direto, sarcástico e com senso de humor — que grudava na cabeça. O sucesso foi rápido e, surpreendentemente, sustentado. O primeiro álbum, lançado em 2022, não apenas confirmou o potencial como consolidou o duo como um dos nomes mais comentados da cena britânica.

O disco homônimo, um hype que deu certo, foi recebido com entusiasmo por crítica e público, lembrando o impacto inicial do Is This It, dos Strokes, em 2001 — ambos modernizando referências do passado com personalidade. No caso do Wet Leg, isso veio com doses extra de ironia e um aguçado olhar tipicamente britânico sobre a vida cotidiana.

Em meio a um cenário indie previsível, Rhian Teasdale e Hester Chambers sem inventar a roda e caçando referencias do passado, seja do pós-punk ao shoegazzzer, embalaram tudo com um novo frescor: guitarras diretas, letras bem-humoradas e uma estética despreocupada, que ao menos a época soava autêntica. Faixas como “Wet Dream”, “Angelica” e “Ur Mum” uniam banalidades com comentários ácidos, sem soar forçado. As influências estavam lá, mas eram usadas como ponto de partida, não como fórmula.

A produção de Dan Carey ajudava: limpa, objetiva, sem enfeites desnecessários. O disco era curto, coeso e certeiro — que parecia espontâneo, mas deixava entrever um projeto bem pensado. O Wet Leg mostrava consciência de seu tempo e de como se destacar nele, sem precisar exagerar.

Diante disso, o segundo disco chega com mais estrutura — agora com banda completa — e também com mais ambição mercadológica. Percebe-se mais o dedo da gravadora que aposta num retorno mais popular. Mas nem sempre isso funciona. A produção mais densa tenta dar complexidade ao que antes soava leve, e o resultado é um álbum irregular. Há momentos inspirados, como a deliciosamente pop “Davida McAll” (vide clipe no final) , mas também passagens em que o excesso de camadas esconde o que havia de mais interessante: o senso de humor e o tom espontâneo. Sai o pós-punk seco de “Chaise Longue”, entram os sintetizadores, batidas mais eletrônicas e uma produção mais encorpada, ainda que com um toque indie que remete a bandas como Blur quando travestido de Gorillaz.

Não é um disco ruim, mas está longe do impacto do primeiro. Falta equilíbrio entre o desejo de evoluir e a essência que tornou o Wet Leg relevante. A banda parece, por enquanto, em busca desse ponto de estabilidade — entre amadurecer e não se perder no caminho.


Essa mudança também se reflete no visual. Rhian Teasdale, antes associada a um estilo mais despojado — vestidos retrô, cabelos bagunçados e um ar de despreocupação (vide primeira foto) —, agora aparece com uma imagem mais polida, quase glamourosa (logo acima). Uma diva pop disfuncional. A mudança reforça o afastamento daquele espírito irreverente que marcou o começo.

De qualquer forma, para o bem ou para o mal é mais do que uma questão estética, é uma mudança de postura. O Wet Leg parece mais consciente da própria imagem, mais preparado para grandes palcos — e talvez também mais preocupado com expectativas. O desafio, a partir de agora, é justamente esse: como crescer sem abrir mão do que fez a banda se destacar?

Ainda é cedo para conclusões definitivas. A nova fase está em construção. E mesmo com altos e baixos, o Wet Leg continua com talento e presença suficientes para se manter relevante. A questão é até onde vale moldar essa nova versão — e o quanto ela ainda carrega da original.


Acima o clipe de  “Chaise Longue” 

                                                       Abaixo o clipe de “Davida McAll” 


Família, Fraternidade e Monicelli: A Comédia da Vida

 


Quando se fala em Mario Monicelli, talvez o primeiro nome que venha à cabeça seja o do cavaleiro atrapalhado de “L’armata Brancaleone”. Sim, aquele mesmo do “Branca branca branca, Leone leone leone”, que virou hino improvisado da juventude trotskista da USP nos anos 70. Não que eu me lembre disso — nem era nascido —, mas li numa crítica do Rubens Ewald Filho, em um daqueles muitos livros que ele publicou e que povoaram minha estante e minha formação. Veja só: eu me lembro de críticas!

Poderia falar de Brancaleone, claro. Ou ainda de Meus Caros Amigos (Amici miei), com seu humor ferino e melancólico. Mas hoje quero escrever sobre dois outros filmes de Monicelli, que talvez não estejam no topo das listas dos mais lembrados, mas que guardo comigo como se fossem filmes de família — no melhor e no pior sentido da expressão.

O primeiro deles é I soliti ignoti — aqui chamado literalmente de Os Eternos Desconhecidos, o que já diz muito. Lançado em 1958, o título tem um sentido ainda mais irônico: são “os de sempre”, os mesmos “desconhecidos” que a polícia sempre aponta como suspeitos, um jeito quase burocrático de nomear a miséria cotidiana. Lembra do "The Usual Suspects" do Brian Singer ? Pois é, não tem nada a ver. Monicelli transformou isso em comédia, mas não qualquer comédia — uma verdadeira paródia dos filmes de assalto, feita com a ternura e o sarcasmo típicos da melhor tradição italiana.

Lembro-me da primeira vez que vi esse filme ainda criança, na televisão, rindo das trapalhadas daquela gangue de ladrões tão incompetentes quanto adoráveis. Mais tarde, já adulto, revi em uma cópia restaurada e percebi o quanto tinha deixado escapar: as nuances, as críticas sociais, a ironia fina escondida nos gestos e silêncios.

O elenco é um espetáculo à parte, uma verdadeira constelação da comédia italiana em sua melhor forma. Vittorio Gassman, com seu ar de galã decadente, encarna o trapaceiro com uma combinação de pompa e desespero cômico. Marcelo Mastroianni, mais lembrado por seus papéis dramáticos, mostra aqui sua veia cômica refinada, com uma sutileza que só os grandes conseguem. Renato Salvatori, com sua presença forte e ingênua, Memmo Carotenuto, sempre com aquele olhar esperto de quem já viu demais, e Carlo Pisacane, que arranca risos só de aparecer em cena com sua figura franzina e expressão eternamente aflita. Tiberio Murgia, com seu sotaque carregado e estilo exagerado, é outro achado — cada gesto dele parece uma pequena peça de teatro popular. E, claro, ninguém menos que Totò, um gênio absoluto do riso, numa participação pequena, mas memorável, como o “professor” que ensina a arte (fracassada) de explodir cofres.

Já Claudia Cardinale, é verdade, tem pouco a fazer no roteiro — sua função ali parece ser apenas existir, linda e em silêncio. Pode soar machista, e talvez até seja, mas a própria lógica da comédia da época se alimentava disso: beleza como distração, como alívio, como ponto de exclamação visual. E sejamos francos, naquele momento do cinema italiano, bastava ela entrar em cena para que tudo parasse por um instante — inclusive a crítica.

A grande comédia não serve apenas para fazer rir — ela revela, critica, expõe. Em Os Eternos Desconhecidos, o riso nasce do fracasso coletivo e do improviso da sobrevivência. São pobres tentando ser profissionais do crime em uma sociedade que já os criminaliza por existirem. 

Embora o filme carregue o preto e branco de outra época, sua essência continua dolorosamente atual. A sociedade veste novas roupas, fala novas línguas, adota novos discursos — mas o enredo de fundo, aquele subterrâneo social de desigualdade, frustração e tentativa de sobrevivência às margens, permanece quase intacto. Por mais que os jovens sonhem em transformar o mundo — e tentem, com a coragem que só a juventude tem —, há estruturas que resistem com uma teimosia quase cínica. Mudam as vitrines, mas o estoque no porão é o mesmo.

O segundo filme é de outra época e de outra maturidade de Monicelli: Parente è serpente, de 1992. Um título que já anuncia o veneno escondido sob a mesa da ceia de Natal.

Vi pela primeira vez numa madrugada qualquer, na Globo. Achei aquilo diferente, estranho, engraçado. Gravei em VHS e revi muitas vezes — cada uma descobrindo uma camada nova. Só recentemente consegui ver no original italiano, e aí tudo fez ainda mais sentido.

A história parece simples, e é: uma típica família italiana se reúne para o Natal. Mas o que emerge ali é um verdadeiro acerto de contas, um balanço emocional que não se encerra com o panetone. Sob o verniz das boas maneiras, aparecem o humor negro, a solidão dos velhos, a homossexualidade escondida, os silêncios de uma geração e os ressentimentos passados de boca em boca, como receitas de família.

É um filme cruel, mas com risos que doem mais por serem verdadeiros. A narrativa é contada pelo olhar do neto — uma criança que descreve os adultos com a ingenuidade de quem ainda não aprendeu a mentir. E, assim, tudo se torna mais claro, mais brutal.

Nas relações entre as irmãs, entre elas e a cunhada, vemos um jogo de rejeições silenciosas: a cunhada é tratada como uma caricatura fútil e vulgar, mas se vê como parte legítima da família. E nesse ruído entre o que se é e o que se aparenta, o filme constrói seu retrato cruel e preciso da família tradicional.

Vindo de família italiana, assisto a esses filmes com certo desconforto familiar. Como em Fellini, reconheço nas caricaturas um parentesco verdadeiro. Os gestos teatrais, as acusações passivo-agressivas, o amor que vira cobrança e se disfarça de cuidado — tudo isso me é familiar demais.

Monicelli sabia, como poucos, rir da tragédia cotidiana. Seus personagens são sempre pessoas comuns, derrotadas pela vida, tentando ainda assim enganar o destino — nem que seja por um minuto. Seus filmes são espelhos tortos, mas fiéis. E talvez por isso, tão atemporais.

Há famílias que a gente não escolhe — e justamente por isso, muitas vezes, elas também não nos escolhem de volta. Já outras, surgem do acaso, do improviso, da necessidade. Não têm laços de sangue, mas criam laços onde antes só havia falta.

Os Eternos Desconhecidos, no filme de Monicelli, são isso: uma fraternidade formada por homens quebrados pela vida. Unidos não por afinidade, mas por um plano desajeitado, um golpe improvável. São cúmplices antes de serem amigos. Frágeis, desastrados, ridículos até — mas, à sua maneira, leais. Suportam-se. Precisam-se. E é aí, no tropeço conjunto, que nasce um tipo raro de afeto: o que se constrói nas falhas, no riso envergonhado, no fracasso compartilhado.

Em Parente é Serpente, o cenário é outro. É Natal, e a família está reunida. Mas o que deveria ser afeto vira disputa. O sangue pesa, e os vínculos apertam mais do que acolhem. Cada palavra é uma armadilha, cada abraço vem com um espinho escondido. Tudo é tradição, aparência, obrigação. A ceia é farta, mas o convívio é escasso.

De um lado, os que nada têm e tentam construir algo juntos. Do outro, os que têm tudo, mas preferem manter distância — mesmo sentados à mesma mesa. Um grupo divide a miséria com generosidade; o outro reparte o conforto com rancor.

No fim, talvez seja isso: o fracasso vivido junto tem mais calor que o sucesso vivido sozinho. Família, às vezes, é quem erra com você — e não quem aponta o dedo quando você erra.

domingo, 27 de julho de 2025

SAUDADES DA MINHA LEMBRANÇA - À Luz do Agora

Saudades da minha lembrança foi o titulo de um livro que reune, no começo do século algumas crônicas que escrevia para jornais. Adoro esse titulo que algum tempo depois o cantor Nervoso deu por um zeigeist absurdo para o seu primeiro disco solo (Alias tem uma entrevista que fiz com o cantor nesse link)

Hoje não usaria mais como titulo do livro para nao parecer que roubei o titulo,  mas sem pudor de usar aqui no blog nessa serie de artigos onde pretendo rever alguns  textos que hoje acho bem amadores mas de alguma forma as ideias permanecem. Pretendo reescreve-los, tentando deixar mais contemporâneo e ao mesmo tempo que mudo o ponto de vista sobre algumas coisas. No final acrescento o texto original


À Luz do Agora (Códigos da Memória)


Às vezes a memória falha — ou melhor, reconstrói. Como quando dois amigos lembram do mesmo episódio de formas completamente diferentes e ambos estão certos. Ou acreditam estar. Um jura que foi numa terça, o outro tem certeza que era domingo. Um lembra da música que tocava, o outro diz que não havia som algum. Ouvi uma vez — não lembro de quem — algo como: “o que importa não é o que aconteceu, mas o que você pensa que aconteceu”. E talvez seja isso mesmo. A lembrança não é uma fotografia; é um palpite emocional, moldado pelo tempo, pelas perdas e pelo que decidimos guardar.

A vida se constrói em momentos. Pequenos, às vezes banais, mas cheios de detalhes que ficam impressos em nós de maneira particular: um cheiro específico, a luz de uma tarde, um trecho de música. Esses elementos, que para uns não significam nada, para outros são chaves de uma memória inteira. Se temos um código genético que nos define biologicamente, existe também um código invisível, íntimo, feito de sensações, que nos define emocionalmente. Um homem sem passado pode até caminhar, mas sem direção.

Para muita gente, a infância é onde mora o afeto mais puro. Para outros, é a adolescência que carrega o peso — e o brilho — das primeiras vezes. Basta ouvir uma música, ver um filme ou reencontrar uma imagem esquecida para sermos transportados de volta. É como se a mente abrisse um portal secreto, onde tudo volta a pulsar com uma intensidade que a vida adulta já não permite.

Mas e se fosse possível voltar àquela época com a experiência que temos hoje? Parece tentador, mas a resposta, para mim, é clara: perderia a graça. Porque o encanto da adolescência está justamente na ignorância — no não saber. Na ansiedade da descoberta, no exagero das emoções, no erro sincero. Repetir os dias de 15 anos com a cabeça de hoje seria como rever um filme pela milésima vez: a estrutura está lá, mas o impacto se foi.

Claro, há quem diga que seria bom reviver a despreocupação, os horários frouxos, a liberdade de errar sem grandes consequências. E talvez fosse. Mas o que dá valor àquele tempo é a maneira como o vivemos — e não só o que vivíamos. Era a mistura de ingenuidade com a ilusão de que tudo era possível. E esse tipo de sensação não se repete, só se lembra.

A vida adulta oferece outras coisas: maturidade, sim, e alguma clareza. Mas também uma certa secura. As descobertas dessa fase são, em geral, menos encantadoras — e mais duras. Descobrimos, por exemplo, que o mundo é mais cínico do que gostaríamos, que a justiça muitas vezes é só um nome bonito, que a amizade envelhece, e que nem todo laço resiste ao tempo. E mesmo assim, seguimos. Talvez porque temos memórias que empurram, que sustentam, que lembram que já fomos mais leves.

Essa relação entre tempo e lembrança também vale para os filmes. Um dia, movido pela nostalgia, revi Explorers – Viagem ao Mundo dos Sonhos, do Joe Dante, que tinha me marcado na infância. Foi decepcionante. Mas aprendi a aceitar essas quebras de encanto. Hoje vejo que gostar de algo “ruim” também é legítimo — desde que a gente saiba o porquê. O chamado “guilty pleasure” não é vergonha, é afeto. E isso também tem seu valor.

É claro que depois de conhecer Truffaut, Fellini e tantos outros, fica difícil se empolgar com roteiros frágeis ou efeitos mal acabados. Mas não se trata apenas de comparar estilos — e sim de entender que certos filmes, como certas lembranças, só funcionam numa idade específica.

Revi Os Goonies. Revi também Teen Wolf. Durante um tempo, confesso que tive medo — medo de estragar a lembrança, de descobrir que o encanto era só efeito da idade. Mas revi. E quer saber? Foi ótimo. Não porque os filmes tenham resistido impecavelmente ao tempo, mas justamente porque não resistiram. São filmes com imperfeições — e hoje eu adoro imperfeições. É nelas que mora a humanidade, a verdade torta das coisas. Quando você percebe que tudo é clichê, que aquele diálogo que parecia único já foi dito mil vezes, entende que o ineditismo, muitas vezes, está mais na sua ignorância sobre o assunto do que em alguma genialidade da obra. E tudo bem. Crescer também é aceitar isso: o que nos emocionou uma vez talvez não resista à razão — mas ainda assim nos emociona. E isso é mais do que suficiente.

Quando era adolescente, comprei meu primeiro guia de vídeo e me revoltava com as notas dadas a filmes que eu amava. Como podiam dar só três estrelas para Evil Dead? Hoje, revendo com olhos mais técnicos, entendo. É um filme com limitações evidentes, mas também com ousadia, estilo e humor ácido. Não é para qualquer um, e talvez por isso mesmo sobreviva — porque carrega identidade.

Conversar sobre esses filmes com alguém de outra geração nem sempre é fácil. Como explicar que os filmes da Marvel  são esquecíveis e que aquele James Bond raiz  hoje diz muito mais sobre a sociedade do que todo o verniz higienizaste das narrativas atuais que tem medo de ofender alguém e deixam tudo morno ? Recentemente, na adaptação de Sandman para a Netflix, trocaram a representação da personagem Desespero — que nos quadrinhos tem obesidade mórbida, pele pálida, anda nua e transmite, com seu corpo e postura, um desconforto físico e emocional profundo — por uma versão suavizada: uma mulher gordinha, com roupas ajustadas e visual "higienizado", pronta para caber nos padrões da estética pop contemporânea. Não se trata apenas de representatividade, mas de um medo quase institucionalizado de desagradar, de causar incômodo real. Em vez de enfrentar o desafio de retratar a feiura como expressão simbólica, preferiu-se maquiar a personagem para não correr o risco de acusações de gordofobia. Mas ao fazer isso, esvaziou-se a força do próprio arquétipo que Desespero representa: ela deveria causar aflição, desconforto, ser a antítese do controle e da vaidade. Quando até o Desespero precisa parecer "aceitável", talvez a cultura da imagem tenha vencido de vez a coragem de provocar.

Voltando o trem aos trilhos, a verdade é que nossos gostos mudam, e com o tempo ganhamos — ou perdemos — paciência para certas coisas.

É provável que daqui a vinte ou trinta anos, muito do que tolero hoje já não me diga mais nada. E talvez aquilo que hoje ignoro se revele fundamental. Algumas obras, porém, resistem ao tempo. Essas chamamos de clássicos — não porque são perfeitas, mas porque continuam fazendo sentido, mesmo quando nós já mudamos por completo.

O resto, como quase tudo na vida, é memória. E a memória, embora imperfeita, ainda é o que temos de mais real.


 

 

 

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A seguir o texto original, publicado na época em jornais locais

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À

s vezes a mente trai. Tipo quando dois amigos discutem acerca do aconteceu em determinado momento e ambos acreditam ter certeza de que tudo aconteceu da maneira que cada um está contando. E a vida é feita de momentos, estes diferentes e com detalhes que para um insignificantes , para outros nem tanto. A cor, o perfume, a música. Cada peça que compõe diferente a pessoa.. Se temos um código que carregamos conosco, uma herança genética que pode nos identificar , existe , ali em um canto da mente um outro código, este por sua vez só nosso, não-identificável e que nos completa. Um Homem sem passado é um Homem sem futuro.

 

Para muitos é na infância que passaram os melhores momentos da sua vida, para outros é na adolescência. Uma saudade que o irá acompanhar por cada momento de sua vida. É só escutar uma música , ver um filme e imediatamente a mente nos leva à esse tempo. Por um segundo podemos sentir o gosto de algo, um cheiro característico e pronto. Um turbilhão de emoções que às vezes nem entendemos direito.

 

O que aconteceria se você pudesse, hoje, voltar ao passado com todas as experiências que carregou na vida até agora ? Na adolescência, por exemplo, parte da vida repleta de acontecimentos na vida de uma pessoa, onde cada dia parece uma vida, cheia de desejos, anseios e insegurança. As mesmas músicas, os mesmos livros e os mesmos filmes.

 

Seria chato.

 

Digo isso por que acredito que o grande fascínio que esta época trás , diz-nos respeito a ingenuidade, até mesmo à boçalidade. Qual a graça de se ter novamente 15 anos sem todo aquele prazer da descoberta, sem aquela ânsia de viver e a incrível mentalidade de que podemos mudar o mundo e que com o passar do tempo vai se esfarelando. 

 

Uns podem até contra-argumentar dizendo que naquela época era só curtir a vida, não ter preocupações nenhumas a não ser passar de ano, liberdade para acordar na hora que quiser e sem ninguém encher o saco. Ter isso de novo já valeria a pena.

 

Até valeria, mas se perderia a essência que faz com que a adolescência nos marcar a alma. O prazer da descoberta (sim eu sei que para alguns é um tormento).

 

A vida adulta nos trás somente a maturidade, força para podermos lutar com algumas coisas mas poucos prazeres (daqui à alguns anos quem sabe eu mudo de idéia). A maioria das descobertas dessa fase são preferíveis se continuassem escondidas. A constatação que agora você tem poucos amigos e desses poucos, mais poucos ainda não te decepcionarão; que o mundo se move tão somente com dinheiro, que prá tudo existe o jeitinho brasileiro e que a Justiça tem esse nome por mero capricho de alguma mente criativa.

Ei isso está se tornando sério demais !

 

Filmes também são assim. Recentemente tive o (des)prazer de rever um filme que fora importante para mim na infância. Bem, não tão importante assim, mas eu me lembro de ter gostado dele. Chamava-se “Explorers – Viagem ao mundo dos sonhos” do Joe Dante. Resultado: Decepção. Não que o filme seja totalmente ruim, mas a magia que estava lá simplesmente sumiu e os efeitos, na época sensacionais, ficaram datados. É exatamente o que acontece hoje quando alguns adultos criticam o infantil “Harry Potter”. Realmente, é um filme mediano, quase ruim, mas para a cabeça das crianças trás um fascínio incrível. Há magia aí (sem trocadilhos).

 

É claro que um adulto que já leu coisas melhores , assistiu à filmes de Felline, Truffaut entre tantos outros não se empolgará mais com esse tipo de filme (não o tipo necessariamente mas a maneira como este em particular foi escrito).

 

Voltando ao assunto, esta criança de hoje quando tiver mais idade não vai se empolgar novamente da mesma maneira quando rever o filme. Um conselho de amigo é não rever, conselho esse que nem mesmo eu me lembro de escutar às vezes.

 

Por outro lado (sempre existe outro) alguns filmes ainda mantém um certo fascínio. Não total, mas ainda um certo fascínio. No momento estou me decidindo se vejo ou não “Os Goonies” novamente. E estou procurando um filme , que deve ser um lixo, “Teen Wolf”, mas que me recordo com carinho. Lembro-me até de onde estava momentos antes de passar na Tv ainda nos anos 80.

 

No começo da minha adolescência comprei um guia de video , o meu primeiro , e ficava indignado com as notas que eram dadas para muitos filmes que eu gostava. Era ridículo o fato de darem somente 3 estrelas para um clássico como “Evil Dead”. Bem, recentemente assisti novamente o filme e tive que constatar que realmente é verdade. Poderia ser apenas mais um filminho qualquer se não fossem os talentos envolvidos na produção, os ângulos de câmeras incríveis e o humor ácido. Não é um filme para todos os gostos. O expectador comum que não se interessa pela parte tecnica irá achar ridículo (a não ser claro que seja um amante do trash).

 

É muito difícil conversar com alguém que não seja de sua faixa etária sobre filmes. Como dizer para um cara no auge de seus 20 anos que “Triple X” é uma droga e aquele antiquado James Bond é o máximo. Na verdade eu detestava James Bond quando tinha essa idade e preferia coisas como “Rambo” , mas isso é outra história. E tomara que nunca lancem “Spectromen” em DVD, para o bem de uma geração.

 

O fato é que os gostos mudam. Certamente quando tiver uns 50 anos, muito do que eu tolero hoje não sobreviverá e muitas coisas que hoje ignoro serão vistas com outros olhos. Poucas obras sobrevivem a uma revolução. A estas chamamos de “clássicos”.

Entre Fones e Destino - Parte 1 - Grandaddy - The Sophtware Slump


Entre Fones e Destino é uma coluna onde vou analisar alguns discos que mudaram minha vida e fizeram parte dela. Às vezes o texto acaba levando para outros caminhos, mas o foco principal será sempre este álbum. Frank Jorge já dizia: “Fui lhe mostrar um disco de um cantor que sempre gostei, mas você não me deu atenção.” Essa frase me pega. Quantas vezes, cheio de empolgação, você tenta mostrar algo para alguém, e a pessoa simplesmente não presta atenção? Você começa a tocar a música, e antes mesmo do vocal entrar, ela já está conversando sobre outra coisa. É a vida.

Parte 2(David Bowie) pode ser acessado aqui

Parte 3 (Legião Urbana) pode ser acessado aqui.

Parte 4 (The Velvet Underground) pode se acessado aqui


Eu a deixei no passado.
Não foi só uma pessoa, foi um pedaço de mim que não cabia mais. Assim como em Hewlett’s Daughter, onde o personagem se afasta, carrega culpa e silêncio. Esse abandono não é só de gente, é de fases da vida, lugares, expectativas.

Por um tempo, morei em outras cidades — São Carlos, Santa Cruz do Rio Pardo. Passei pouco tempo em cada uma, mas elas ficaram comigo de um jeito difícil de explicar. Lugares onde me refiz, me perdi e me achei de novo. Mesmo depois de sair, continuei voltando — no começo com frequência, depois cada vez menos, até que as visitas viraram lembrança. Outro dia, em Jaú, durante uns workshops sobre música, encontrei por acaso um casal que conheci em Santa Cruz. Achei os rostos familiares, mas só reconheci quando ele me perguntou se eu era o Gustavo. Essas cidades talvez não façam mais parte do meu dia a dia, mas continuam em mim. No fundo, o que importa mesmo é o que te quebra em duas cidades, como canta o Vanguart.

Entre esses espaços, entre as ruas desconhecidas e as antigas calçadas de Bariri, cresceu uma saudade que não se cura. Meus amigos de infância, que compartilhavam gostos e sonhos, foram embora. Alguns morrem aos poucos na ausência, como aquele amigo que a Covid levou. Outros ficaram, mas a cumplicidade se diluiu, fragmentada entre diferentes pessoas. Gostos que se distanciaram, conexões que enfraqueceram.

Bariri é minha Modesto.
Como Jason Lytle e sua banda Grandaddy, que viviam naquele recanto comum, sem grandes pretensões, num estúdio caseiro onde criavam um universo só deles. A banda só saía para shows e depois voltava.
Eu também volto. Sempre volto para essa cidade discreta, que me abriga mesmo quando tudo parece um pouco fora do lugar.

E no meio desse retorno e da vontade de sair, escuto The Sophtware Slump.
Um álbum que é solidão de homem e solidão de máquina — misturadas, inseparáveis.

A capa é um desses detalhes que dizem mais do que muitas palavras.
Ela mostra uma paisagem campestre — um campo aberto, tranquilo, onde o vento devia soprar livre entre árvores tímidas e um céu amplo. Mas essa tranquilidade é invadida por teclas de computador espalhadas pelo chão, brancas e retangulares, como ossos estranhos, como restos fora do lugar.
É a modernidade invadindo o sossego do campo, o velho convivendo desconfortável com o novo.

Eu sempre morei a maior parte da vida na zona rural, mas nunca fui o típico homem do campo. Sempre gostei de livros, de rock, de filmes — de coisas que falam de outros mundos, outras histórias. Mas sempre gostei também do sossego, da paisagem, daquele silêncio que deixa o pensamento crescer.

Essa capa sintetiza isso: um mundo dividido entre a calma da natureza e o ruído da tecnologia, que insiste em se infiltrar, mesmo quando parece não pertencer.
Não são flores, não são pedras. São fragmentos de um futuro que parece não se encaixar direito, um epitáfio silencioso daquilo que criamos e não sabemos bem como lidar.

A frase “It knows you're just a modern man” me pega no meio do peito. Porque é isso: me sinto moderno, com um pé no futuro, mas preso em lugares que parecem ter parado no tempo.
E aí vem “I've gotta get out of here / and find my way again / I've lost my way again”.
Quero sair, mas sei que, no fundo, vou voltar.
Sempre voltamos.

Em The Crystal Lake, o adeus é uma presença constante.
“Aquele lugar que só ri / sabe que você é um homem moderno / brilhando longe daqui.”
É o mesmo balanço de quem quer ir embora e fica. De quem acha que se perdeu, mas sabe que o caminho verdadeiro é uma volta ao lar, mesmo que esse lar esteja em pedaços, cheio de ausências e silêncios.

Essa crônica, esse disco, essas músicas são meus mapas — mais do que explicações, traduções do que não sei dizer.
Um testemunho do que acontece quando o que te quebra em duas cidades não é só distância física, mas tudo que fica para trás, tudo que ficou no passado.
E do que acontece quando a gente aprende a conviver com isso, mesmo sem querer.

FREE JAZZ FESTIVAL 2021


Era primavera em São Paulo, e eu me lembro com nitidez daquele começo de noite — uma sexta-feira, claro, porque certas emoções têm dia e endereço fixo. A cidade não tinha o hábito de desacelerar (São Paulo nuca desacelera), mas naquele instante, naquele espaço miúdo onde o som esparramava sobre os corpos, tudo ficou em suspensão. Não sei a ordem exata das canções, a memória tem dessas flutuações — é como uma fita levemente desmagnetizada: trechos nítidos, outros desfocados.

Mas juro que “Hewlett’s Daughter” foi a segunda. Ela veio como uma brisa que entra pela janela e você nem percebe — até que tudo já cheira a outra estação. Eu já tinha lido algo sobre o Grandaddy, numa Bizz que destacava esse segundo album, ou nas colunas da Ilustrada ou Falhateen que eu costumava recortar. Já tinha cruzado com um clipe (provavelmente Crystal Lake)  no programa “Lado B” da MTV — não sei se apresentado pelo Kid Vinil ou pelo Fábio Massari naquela época. Às vezes a memória tem mais poesia do que verdade. Mas era ali, naquele palco meio tímido, que a coisa ganhava carne.

A sequência foi um golpe de mestre: “You Are My Sunshine” — feita cover com melancolia quase infantil — logo depois da doçura arranhada de Hewlett’s Daughter. Um soco de pelúcia no estômago. Ali eu me entreguei. O show foi curto, como são as boas histórias que a gente lembra pro resto da vida, e terminou com The Crystal Lake, espécie de epílogo perfeito: grandiosa, circular, como se o som estivesse indo embora e ficando ao mesmo tempo.

O Grandaddy, àquela altura, era rotulado como lo-fi, rótulo que pouco diz sobre o que realmente fazem. Soavam como se Neil Young tivesse acordado num laboratório de sons antigos, cercado por sintetizadores esquecidos e pelo mato alto da zona rural. Havia ali uma aura alt-country, um espírito do interior que dialogava com a tecnologia tímida e os sintetizadores. A voz de Jason Lytle — chorosa, meio entupida de poesia — guiava tudo como quem conta sonhos presos em fita cassete. A tecnologia estava presente, claro, mas era usada como quem aproveita o vento para mover as coisas, e não para impressionar.

Era um tempo em que a internet ainda não trazia certas facilidades a que nos acostumamos. Mas por sorte não estava em Bariri (a minha Modesto). Na manhã seguinte, ainda sob o feitiço da noite anterior, fui até a Galeria do Rock — aquela galeria paralela, não lembro o nome, mas que também tem lojas de discos. Lá estava The Sophtware Slump, me esperando. E ao lado dele, o primeiro disco do The Strokes, recém-lançado mas já com cheiro de clássico instantâneo. Curioso como o destino põe certos álbuns na sua frente como se estivesse fazendo uma piada.

Mas foi Sophtware Slump que me acompanhou naquela primavera. Um disco feito em casa, no estúdio improvisado de Lytle, mas que soava como se falasse com as estrelas. Ele flutua entre a solidão dos homens e a solidão das máquinas, e não sei qual das duas me comove mais.

ENTRE FONES E DESTINO


 Entre Fones e Destino é uma coluna onde vou escrever sobre alguns discos que mudaram minha vida — e continuam mudando, mesmo depois de tanto tempo. Não é uma tentativa de canonizar álbuns como quem faz listas definitivas ou rankings. Aqui, o critério é pessoal: são discos que me acompanharam em fases importantes, trilhas sonoras acidentais de alegrias, perdas, começos e retornos. Às vezes os textos podem tomar outros rumos — uma memória, uma cidade, um show, uma frase solta no encarte — mas a intenção é sempre voltar ao ponto de partida: o álbum.

Frank Jorge já dizia: “Fui lhe mostrar um disco de um cantor que sempre gostei, mas você não me deu atenção.” Essa frase me pega. Porque ela carrega uma frustração mansa que todo apaixonado por música já sentiu. Quantas vezes você, empolgado, coloca um som pra alguém, achando que vai dividir uma revelação — e antes mesmo do vocal entrar, a pessoa já puxou outro assunto, mudou de tema, ou simplesmente não ouviu de verdade?
É a vida. As conexões que temos com certos discos são nossas, íntimas, às vezes impossíveis de traduzir. E isso não diminui o valor delas.

A ideia dessa coluna nasceu disso: da vontade de retribuir o que esses álbuns fizeram por mim. De comentar sobre os discos que ficaram marcados mesmo que ninguém mais fale deles. Alguns são os mais conhecidos de suas bandas — tipo aquele disco que todo mundo já ouviu, mas que pra você bateu diferente. Outros são aleatórios, perdidos na discografia, esquecidos nas plataformas. Mas para mim, marcaram época.

Não espero convencer ninguém a ouvir nada. Mas talvez, entre uma lembrança e outra, entre um parágrafo e um refrão, você se lembre de um disco seu também. Aquele que você ouvia indo pro colégio. Ou lavando louça num domingo. Ou na madrugada, com fone de ouvido e um aperto no peito que você nem sabia de onde vinha.

Pode ser que o texto fale mais de mim do que da banda. Pode ser que o disco seja só o pano de fundo. Pode ser que uma música desencadeie uma cidade inteira. Tudo isso cabe aqui.

Entre Fones e Destino é isso: um espaço para escutar com atenção o que o tempo não apagou.

Parte 1(Grandaddy) pode ser acessado aqui.

Parte 2 (David Bowie) pode ser acessado aqui

Parte 3 (Legião Urbana) pode ser acessado aqui

Parte 4 (The Velvet Underground) pode se acessado aqui


sexta-feira, 25 de julho de 2025

Fabien Toulmé: Entre o desenho e a vida, as histórias que carregamos

 Por Gustavo Basso

Aqui outro texto resgatado, desta vez com base em Entrevista que fiz com o autor e que não tinha publicado aqui (por isso a menção a Odisseia de Hakim que na epoca só tinha saído o volume 1. Hoje tem completa e outras edições foram publicadas no Brasil). 

As entrevistas tem link no final da matéria


Ele chegou ao Brasil quase por acaso, guiado por uma equação simples: clima ameno, vida calma. Fabien Toulmé, 40 anos, nascido em Orleães, França, e engenheiro por formação, desembarcou em João Pessoa com uma mala cheia de dúvidas e um caderno vazio. Ali, entre as dunas e as praias, algo começou a tomar forma — não no papel dos cálculos, mas no traço nervoso da caneta que rabiscava histórias nas margens do cotidiano.

Hoje, reconhecido no Brasil como um dos quadrinistas mais sensíveis da nova geração, Fabien lança seu terceiro álbum pela Editora Nemo: A Odisseia de Hakim, Vol. 1 — Da Síria à Turquia. Uma obra sobre o jovem refugiado sírio, que narra, em silêncio e cor, a travessia desesperada entre países e esperanças.

Fabien fala com a voz calma de quem já desenhou a vida inteira, mesmo que tenha se demorado a se perceber artista.

“Eu copiava o Jolly Jumper no chão da sala, tentando acertar o traço”, lembra. Lucky Luke, Tintim, Asterix — esses eram seus companheiros de infância, muito antes de as palavras começarem a ganhar a forma mais dura da engenharia.

Foi o Brasil que o devolveu ao desenho. “Quando abri meu escritório de engenharia em Fortaleza, o trabalho já não me fazia feliz. Voltei a desenhar, participei de um curso, reencontrei a caneta.” Uma lenta fuga da rigidez dos números para a liberdade da narrativa gráfica.

Seu primeiro livro, Não era você que eu esperava, uma autobiografia que narra a chegada da filha com síndrome de Down, foi escrito durante noites roubadas ao sono. “Eu trabalhava de dia e desenhava à noite. Não podia largar meu emprego antes do contrato com o editor. Era uma tensão constante, mas foi o que me fez crescer.”

Ao longo da conversa, Fabien se revela um observador cuidadoso das pequenas coisas — do atraso simpático do brasileiro, à música que embala seus dias, passando pela memória afetiva de uma João Pessoa que hoje já não é mais a mesma.

A música, diz, é um pano de fundo para sua vida, e se tornou um personagem de Duas Vidas, seu livro anterior, mas nunca um vício ou uma obsessão. “Sou eclético, gosto de reggae, jazz, música brasileira... mais da tradicional. MPB, Bossa Nova, Forró. Acho que mais da metade do que ouço vem do Brasil.”

Sobre o Brasil, Fabien não cultiva clichês. O país que encontrou foi mais rústico, menos glamouroso, mas profundamente acolhedor. “O brasileiro é caloroso. E até hoje entendo o jeito atrasado, essa maneira de viver que é menos formal.”

De volta à França, ele não abandonou o Brasil, nem as memórias, nem as histórias que ainda quer contar. A obra sobre Hakim nasceu da vontade de dar voz ao que o noticiário muitas vezes reduz a números frios. “Meu quadrinho é mais humano, mais próximo do indivíduo do que da análise política.”

Aos poucos, Fabien Toulmé desenha um caminho entre autobiografia, ficção e reportagem, buscando um equilíbrio delicado entre o que é vivido e o que é contado.

“Eu sou um pouco Baudouin e um pouco Luc,” diz, citando personagens de seus quadrinhos — o homem dividido entre um trabalho que não ama e a busca por uma paixão, e o irmão que celebra a vida, o riso, a festa.

O Brasil ainda pulsa em sua voz, mesmo a milhares de quilômetros, na melodia da saudade e na certeza de que as histórias mais importantes são aquelas que nos fazem humanos — imperfeitos, cheios de dúvidas, mas sempre em busca.

“Espero que o que eu faço ajude as pessoas a entenderem outras vidas. E talvez a olharem para a sua própria com mais gentileza.”

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Se alguém quiser se aventurar pela Entrevista completa ela foi publicada AQUI, E tem também a versão mais enxuta com revisão do Sidão, publicada no UniversoHQ


Eu Quero Segurar Sua Mão — e Dar o Play no Lado B da Memória

 Seguindo a onda de revisitar textos antigos, aqui outro, que foi publicado originalmente AQUI no longíquo ano de 2009

Eu preciso te contar uma coisa — e acho que você vai entender. Ou, pelo menos, vai fingir que entende, o que já ajuda.

Trata-se da maior banda de todos os tempos. Não estou falando de “maior” no sentido “vende muito”, tipo essas playlists genéricas que o algoritmo empurra pra gente às seis da tarde de uma quarta-feira. Estou falando dos Beatles. Sim, aquelesBeatles: John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. E antes que você pergunte, sim, eu também sei os nomes completos deles, o que já denuncia a gravidade da situação.

George, aliás, é o meu preferido. O mais quieto, o mais místico, o mais “deixa que eu componho uma aqui no canto”. Pra mim, ele era o verdadeiro beatle secreto — tipo o ingrediente misterioso da receita da vó.

Agora, veja: eu nasci depois da tal "Bitoumania". Nem perto. Quando dei o primeiro choro no mundo, os Beatles já tinham se separado, brigado, processado uns aos outros e provavelmente estavam todos de bigode. Mesmo assim, minha primeira lembrança ligada à banda foi, pasme, a morte do Lennon. Lembro vagamente de estar assistindo à TV e ver a notícia do assassinato. Perguntei ao meu pai quem era aquele cara, e ele respondeu com a sensibilidade típica da geração dele:
— “Ah, um tonto aí.”

E foi assim, com essa introdução calorosa, que entrei no universo Beatle.

Alguns anos depois, na casa dos vizinhos, ouvi dois álbuns que abriram minha cabeça como quem abre uma caixa de Lego e descobre que tem um castelo ali dentro: Rock’n’Roll Music e The Beatles Oldies. Foi amor imediato. Dancei sozinho na sala com "Twist and Shout" como se fosse o Ferris Bueller no desfile. Aliás, prometo escrever depois sobre Curtindo a Vida Adoidado. Talvez até cantar junto.

Meu primeiro disco de banda internacional ? Nada menos que Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. A capa parecia mais uma reunião de condomínio dos surrealistas. Eu, é claro, não entendi absolutamente nada na época. Provavelmente achei que era um disco infantil. Só muitos anos depois percebi que tinha comprado um pedaço de história. E isso me deu uma alegria besta, daquelas que só quem já encontrou dinheiro esquecido no bolso do casaco entende.

Mas veja bem, eu não vim aqui falar exatamente sobre os Beatles (Mas se alguém quiser nesse link eu falo). Vim falar de dois filmes meio esquecidos que orbitam esse universo e que moram no meu coração como se fossem parentes que vêm pouco, mas sempre trazem comida boa.

O primeiro é Febre de Juventude (ou I Wanna Hold Your Hand), dirigido por Robert Zemeckis — antes dele inventar DeLorean e fluxos de tempo. É sobre um grupo de adolescentes tentando invadir o hotel onde os Beatles estão hospedados durante a primeira visita à América. Tem uma cena da garota escondida debaixo da cama que hoje provavelmente daria processo, mas na época só causava gargalhadas nervosas.

Outro é um filme australiano de 1992 chamado Secrets (ou One Crazy Night) mas que aqui foi lançado como "O Clube dos Cinco – Parte 2" (sim, a criatividade no título foi patrocinada por um camelô com pressa). É sobre jovens presos num porão com um show dos Beatles rolando ali em cima, e tudo que eles conseguem fazer é discutir suas vidas enquanto o mundo vibra sobre suas cabeças. Uma sessão de terapia involuntária regada a mop tops, psicanálise improvisada e um fã do Elvis no meio do fogo cruzado.

Achei esse filme numa locadora esquecida, entre um VHS de A Lagoa Azul e uma fita com etiqueta “rebobine por favor”. Comprei por cinco reais e saí me sentindo o Indiana Jones da cultura pop. E você que disse "Ah Febre de Juventude" nem é tão esquecido assim, toma ! (Vou confessar , só lembrei desse filme revisitando esse texto, até eu já tinha o apagado da memória. Vou fuçar as velhas fitas guardada numa casa velha)

No fim, tudo isso serve pra dizer que, de alguma forma, os Beatles estão sempre por perto. Mesmo quando não são o assunto. Eles são a trilha de fundo, o pano de cena, o tempero do feijão. E como já cantavam, ou quase filosofavam:
“And in the end, the love you take is equal to the love you make.”
Ou, numa tradução livre e um pouco livre demais: no fim, o que você leva da vida é o amor que colocou na vitrola. E se possível, com a agulha bem alinhada. Se bem que disco riscado é tipo a mente da gente: vive voltando pro mesmo lugar.