texto revisitado de uma das primeiras postagens deste blog, datada de 2007, encontrada aqui
Se existe uma alma nesse país com cacife moral, bagagem e ousadia suficientes pra sentar num banquinho e fazer um acústico com a fúria de uma tempestade elétrica, esse alguém atende por um nome só: Lobão. Sim, o mesmo que vive soltando granadas em forma de declarações pela mídia — o “El Lobo” das opiniões desbocadas e da guitarra (ou violão) incendiária. E não, isso aqui não é uma tentativa de desprezar os bons trabalhos acústicos que vieram antes. É só que... nenhum deles tem essa carga explosiva que Lobão traz.
Pra quem só enxerga o músico pelas manchetes controversas e entrevistas polêmicas, o novo Acústico MTV pode soar como uma contradição ambulante. Mas pra quem acompanha Lobão de verdade — de “Vida Bandida” aos projetos independentes que ele mesmo financiou com sangue e convicção — essa nova fase é só mais uma peça do quebra-cabeça. E uma peça brilhante, diga-se. Lobão empunha o violão como quem segura uma arma sagrada. E a formação que ele escolheu pra acompanhá-lo aqui é mais do que acertada: um power-trio acústico que soa mais poderoso do que muito show de banda plugada por aí.
A química é evidente. Mesmo sem amplificadores distorcendo tudo, a energia é crua, suada, viva. É aquela tensão elétrica que pulsa sob a superfície de cordas de nylon e tambores limpos. Um tipo de força que falta em muito “roqueiro de rádio” que vive de passado e pose.Musicalmente, o álbum se destaca não só pela excelência técnica, mas pela ousadia das escolhas. Lobão não se curva aos seus próprios sucessos — deixa de fora alguns hits sem dó nem remorso. E adivinha? Ninguém sente falta. (Ok, talvez só um pouco, mas aí tem o DVD pra consolar o coração órfão com “Revanche” e a eternamente linda “Chorando no Campo”.)
A jornada começa com a direta e já cultuada “El Desdichado II”, que vem lá de A Vida é Doce — um disco que, por si só, já merecia uma estátua no panteão da música independente brasileira. É uma abertura à altura de quem sempre preferiu o confronto à conveniência. Aliás, “paudurecência” é o termo que Lobão gosta de usar, e aqui faz todo sentido. E sim, ele evoca os fantasmas de Cazuza e Renato Russo, seus pares de geração. E não, ele não fica devendo nada. Talvez, com alguma ousadia, possa-se dizer: entrega até mais.
E então vem aquele resgate sublime: “Bambina”, agora “Bambino”, soando mais madura, mais densa, mais... Lobão. Só ele pra resgatar uma faixa dessas do fundo do baú e fazê-la soar como hino de resistência.
Canções como “Quente”, “Você e a Noite Escura” e “A Gente Vai Se Amar” — todas do injustiçado e ignorado pelas FMs Canções da Noite Escura — mostram que o lado poético de Lobão sempre esteve lá, só precisava de espaço pra respirar. E que ironia deliciosa: é justamente a MTV, aquela que ele tantas vezes criticou, que lhe dá o palco pra um dos seus trabalhos mais relevantes dos últimos anos.
Provocador? Sempre. Mas digno. Autêntico. E, acima de tudo, ainda perigosamente bom.
"Eu sou a Contramão da contradição
Que se entrega a Qualquer deus-novo-embrião Pra traficar
o meu futuro por um inferno mais tranquilo
Eu sou Nada e é isso que me convém
Eu sou o sub-do-mundo e o que será
que me detém ?
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