Saudades da minha lembrança foi o titulo de um livro que reune, no começo do século algumas crônicas que escrevia para jornais. Adoro esse titulo que algum tempo depois o cantor Nervoso deu por um zeigeist absurdo para o seu primeiro disco solo (Alias tem uma entrevista que fiz com o cantor nesse link)
Hoje não usaria mais como titulo do livro para nao parecer que roubei o titulo, mas sem pudor de usar aqui no blog nessa serie de artigos onde pretendo rever alguns textos que hoje acho bem amadores mas de alguma forma as ideias permanecem. Pretendo reescreve-los, tentando deixar mais contemporâneo e ao mesmo tempo que mudo o ponto de vista sobre algumas coisas. No final acrescento o texto original
À Luz do Agora (Códigos da Memória)
Às vezes a memória falha — ou melhor, reconstrói. Como quando dois amigos lembram do mesmo episódio de formas completamente diferentes e ambos estão certos. Ou acreditam estar. Um jura que foi numa terça, o outro tem certeza que era domingo. Um lembra da música que tocava, o outro diz que não havia som algum. Ouvi uma vez — não lembro de quem — algo como: “o que importa não é o que aconteceu, mas o que você pensa que aconteceu”. E talvez seja isso mesmo. A lembrança não é uma fotografia; é um palpite emocional, moldado pelo tempo, pelas perdas e pelo que decidimos guardar.
A vida se constrói em momentos. Pequenos, às vezes banais, mas cheios de detalhes que ficam impressos em nós de maneira particular: um cheiro específico, a luz de uma tarde, um trecho de música. Esses elementos, que para uns não significam nada, para outros são chaves de uma memória inteira. Se temos um código genético que nos define biologicamente, existe também um código invisível, íntimo, feito de sensações, que nos define emocionalmente. Um homem sem passado pode até caminhar, mas sem direção.
Para muita gente, a infância é onde mora o afeto mais puro. Para outros, é a adolescência que carrega o peso — e o brilho — das primeiras vezes. Basta ouvir uma música, ver um filme ou reencontrar uma imagem esquecida para sermos transportados de volta. É como se a mente abrisse um portal secreto, onde tudo volta a pulsar com uma intensidade que a vida adulta já não permite.
Mas e se fosse possível voltar àquela época com a experiência que temos hoje? Parece tentador, mas a resposta, para mim, é clara: perderia a graça. Porque o encanto da adolescência está justamente na ignorância — no não saber. Na ansiedade da descoberta, no exagero das emoções, no erro sincero. Repetir os dias de 15 anos com a cabeça de hoje seria como rever um filme pela milésima vez: a estrutura está lá, mas o impacto se foi.
Claro, há quem diga que seria bom reviver a despreocupação, os horários frouxos, a liberdade de errar sem grandes consequências. E talvez fosse. Mas o que dá valor àquele tempo é a maneira como o vivemos — e não só o que vivíamos. Era a mistura de ingenuidade com a ilusão de que tudo era possível. E esse tipo de sensação não se repete, só se lembra.
A vida adulta oferece outras coisas: maturidade, sim, e alguma clareza. Mas também uma certa secura. As descobertas dessa fase são, em geral, menos encantadoras — e mais duras. Descobrimos, por exemplo, que o mundo é mais cínico do que gostaríamos, que a justiça muitas vezes é só um nome bonito, que a amizade envelhece, e que nem todo laço resiste ao tempo. E mesmo assim, seguimos. Talvez porque temos memórias que empurram, que sustentam, que lembram que já fomos mais leves.
Essa relação entre tempo e lembrança também vale para os filmes. Um dia, movido pela nostalgia, revi Explorers – Viagem ao Mundo dos Sonhos, do Joe Dante, que tinha me marcado na infância. Foi decepcionante. Mas aprendi a aceitar essas quebras de encanto. Hoje vejo que gostar de algo “ruim” também é legítimo — desde que a gente saiba o porquê. O chamado “guilty pleasure” não é vergonha, é afeto. E isso também tem seu valor.
É claro que depois de conhecer Truffaut, Fellini e tantos outros, fica difícil se empolgar com roteiros frágeis ou efeitos mal acabados. Mas não se trata apenas de comparar estilos — e sim de entender que certos filmes, como certas lembranças, só funcionam numa idade específica.
Revi Os Goonies. Revi também Teen Wolf. Durante um tempo, confesso que tive medo — medo de estragar a lembrança, de descobrir que o encanto era só efeito da idade. Mas revi. E quer saber? Foi ótimo. Não porque os filmes tenham resistido impecavelmente ao tempo, mas justamente porque não resistiram. São filmes com imperfeições — e hoje eu adoro imperfeições. É nelas que mora a humanidade, a verdade torta das coisas. Quando você percebe que tudo é clichê, que aquele diálogo que parecia único já foi dito mil vezes, entende que o ineditismo, muitas vezes, está mais na sua ignorância sobre o assunto do que em alguma genialidade da obra. E tudo bem. Crescer também é aceitar isso: o que nos emocionou uma vez talvez não resista à razão — mas ainda assim nos emociona. E isso é mais do que suficiente.
Quando era adolescente, comprei meu primeiro guia de vídeo e me revoltava com as notas dadas a filmes que eu amava. Como podiam dar só três estrelas para Evil Dead? Hoje, revendo com olhos mais técnicos, entendo. É um filme com limitações evidentes, mas também com ousadia, estilo e humor ácido. Não é para qualquer um, e talvez por isso mesmo sobreviva — porque carrega identidade.
Conversar sobre esses filmes com alguém de outra geração nem sempre é fácil. Como explicar que os filmes da Marvel são esquecíveis e que aquele James Bond raiz hoje diz muito mais sobre a sociedade do que todo o verniz higienizaste das narrativas atuais que tem medo de ofender alguém e deixam tudo morno ? Recentemente, na adaptação de Sandman para a Netflix, trocaram a representação da personagem Desespero — que nos quadrinhos tem obesidade mórbida, pele pálida, anda nua e transmite, com seu corpo e postura, um desconforto físico e emocional profundo — por uma versão suavizada: uma mulher gordinha, com roupas ajustadas e visual "higienizado", pronta para caber nos padrões da estética pop contemporânea. Não se trata apenas de representatividade, mas de um medo quase institucionalizado de desagradar, de causar incômodo real. Em vez de enfrentar o desafio de retratar a feiura como expressão simbólica, preferiu-se maquiar a personagem para não correr o risco de acusações de gordofobia. Mas ao fazer isso, esvaziou-se a força do próprio arquétipo que Desespero representa: ela deveria causar aflição, desconforto, ser a antítese do controle e da vaidade. Quando até o Desespero precisa parecer "aceitável", talvez a cultura da imagem tenha vencido de vez a coragem de provocar.
Voltando o trem aos trilhos, a verdade é que nossos gostos mudam, e com o tempo ganhamos — ou perdemos — paciência para certas coisas.
É provável que daqui a vinte ou trinta anos, muito do que tolero hoje já não me diga mais nada. E talvez aquilo que hoje ignoro se revele fundamental. Algumas obras, porém, resistem ao tempo. Essas chamamos de clássicos — não porque são perfeitas, mas porque continuam fazendo sentido, mesmo quando nós já mudamos por completo.
O resto, como quase tudo na vida, é memória. E a memória, embora imperfeita, ainda é o que temos de mais real.
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s vezes a mente trai. Tipo quando dois amigos discutem acerca do aconteceu em determinado momento e ambos acreditam ter certeza de que tudo aconteceu da maneira que cada um está contando. E a vida é feita de momentos, estes diferentes e com detalhes que para um insignificantes , para outros nem tanto. A cor, o perfume, a música. Cada peça que compõe diferente a pessoa.. Se temos um código que carregamos conosco, uma herança genética que pode nos identificar , existe , ali em um canto da mente um outro código, este por sua vez só nosso, não-identificável e que nos completa. Um Homem sem passado é um Homem sem futuro.
Para muitos é na infância que passaram os melhores momentos da sua vida, para outros é na adolescência. Uma saudade que o irá acompanhar por cada momento de sua vida. É só escutar uma música , ver um filme e imediatamente a mente nos leva à esse tempo. Por um segundo podemos sentir o gosto de algo, um cheiro característico e pronto. Um turbilhão de emoções que às vezes nem entendemos direito.
O que aconteceria se você pudesse, hoje, voltar ao passado com todas as experiências que carregou na vida até agora ? Na adolescência, por exemplo, parte da vida repleta de acontecimentos na vida de uma pessoa, onde cada dia parece uma vida, cheia de desejos, anseios e insegurança. As mesmas músicas, os mesmos livros e os mesmos filmes.
Seria chato.
Digo isso por que acredito que o grande fascínio que esta época trás , diz-nos respeito a ingenuidade, até mesmo à boçalidade. Qual a graça de se ter novamente 15 anos sem todo aquele prazer da descoberta, sem aquela ânsia de viver e a incrível mentalidade de que podemos mudar o mundo e que com o passar do tempo vai se esfarelando.
Uns podem até contra-argumentar dizendo que naquela época era só curtir a vida, não ter preocupações nenhumas a não ser passar de ano, liberdade para acordar na hora que quiser e sem ninguém encher o saco. Ter isso de novo já valeria a pena.
Até valeria, mas se perderia a essência que faz com que a adolescência nos marcar a alma. O prazer da descoberta (sim eu sei que para alguns é um tormento).
A vida adulta nos trás somente a maturidade, força para podermos lutar com algumas coisas mas poucos prazeres (daqui à alguns anos quem sabe eu mudo de idéia). A maioria das descobertas dessa fase são preferíveis se continuassem escondidas. A constatação que agora você tem poucos amigos e desses poucos, mais poucos ainda não te decepcionarão; que o mundo se move tão somente com dinheiro, que prá tudo existe o jeitinho brasileiro e que a Justiça tem esse nome por mero capricho de alguma mente criativa.
Ei isso está se tornando sério demais !
Filmes também são assim. Recentemente tive o (des)prazer de rever um filme que fora importante para mim na infância. Bem, não tão importante assim, mas eu me lembro de ter gostado dele. Chamava-se “Explorers – Viagem ao mundo dos sonhos” do Joe Dante. Resultado: Decepção. Não que o filme seja totalmente ruim, mas a magia que estava lá simplesmente sumiu e os efeitos, na época sensacionais, ficaram datados. É exatamente o que acontece hoje quando alguns adultos criticam o infantil “Harry Potter”. Realmente, é um filme mediano, quase ruim, mas para a cabeça das crianças trás um fascínio incrível. Há magia aí (sem trocadilhos).
É claro que um adulto que já leu coisas melhores , assistiu à filmes de Felline, Truffaut entre tantos outros não se empolgará mais com esse tipo de filme (não o tipo necessariamente mas a maneira como este em particular foi escrito).
Voltando ao assunto, esta criança de hoje quando tiver mais idade não vai se empolgar novamente da mesma maneira quando rever o filme. Um conselho de amigo é não rever, conselho esse que nem mesmo eu me lembro de escutar às vezes.
Por outro lado (sempre existe outro) alguns filmes ainda mantém um certo fascínio. Não total, mas ainda um certo fascínio. No momento estou me decidindo se vejo ou não “Os Goonies” novamente. E estou procurando um filme , que deve ser um lixo, “Teen Wolf”, mas que me recordo com carinho. Lembro-me até de onde estava momentos antes de passar na Tv ainda nos anos 80.
No começo da minha adolescência comprei um guia de video , o meu primeiro , e ficava indignado com as notas que eram dadas para muitos filmes que eu gostava. Era ridículo o fato de darem somente 3 estrelas para um clássico como “Evil Dead”. Bem, recentemente assisti novamente o filme e tive que constatar que realmente é verdade. Poderia ser apenas mais um filminho qualquer se não fossem os talentos envolvidos na produção, os ângulos de câmeras incríveis e o humor ácido. Não é um filme para todos os gostos. O expectador comum que não se interessa pela parte tecnica irá achar ridículo (a não ser claro que seja um amante do trash).
É muito difícil conversar com alguém que não seja de sua faixa etária sobre filmes. Como dizer para um cara no auge de seus 20 anos que “Triple X” é uma droga e aquele antiquado James Bond é o máximo. Na verdade eu detestava James Bond quando tinha essa idade e preferia coisas como “Rambo” , mas isso é outra história. E tomara que nunca lancem “Spectromen” em DVD, para o bem de uma geração.
O fato é que os gostos mudam. Certamente quando tiver uns 50 anos, muito do que eu tolero hoje não sobreviverá e muitas coisas que hoje ignoro serão vistas com outros olhos. Poucas obras sobrevivem a uma revolução. A estas chamamos de “clássicos”.
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