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segunda-feira, 28 de julho de 2025

SAUDADES DA MINHA LEMBRANÇA - ESCALANDO AS PAREDES

Saudades da minha lembrança foi o titulo de um livro que reune, no começo do século algumas crônicas que escrevia para jornais. Adoro esse titulo que algum tempo depois o cantor Nervoso deu por um zeigeist absurdo para o seu primeiro disco solo (Alias tem uma entrevista que fiz com o cantor nesse link)

Hoje não usaria mais como titulo do livro para nao parecer que roubei o titulo,  mas sem pudor de usar aqui no blog nessa serie de artigos onde pretendo rever alguns  textos que hoje acho bem amadores mas de alguma forma as ideias permanecem. Pretendo reescreve-los, tentando deixar mais contemporâneo e ao mesmo tempo que mudo o ponto de vista sobre algumas coisas. No final acrescento o texto original


 No começo dos anos 2000, o cinema de super-heróis ainda era um território desconhecido, quase um campo aberto para surpresas. Não se sabia que dali, pouco a pouco, nasceria uma indústria tão gigantesca e saturada que hoje, com tantos lançamentos, a novidade se perdeu entre fórmulas repetidas e criatividade escassa. Era um tempo diferente, mais inocente, quando a chegada de um filme como O Homem-Aranha gerava genuína expectativa — um momento em que o herói ainda parecia único.

Homem-Aranha sempre foi um dos meus personagens favoritos da infância — mais pelo desenho da TV, em que ele dividia a cena com o Homem de Gelo e outros amigos, do que pelos gibis propriamente ditos. Quando pequeno, os quadrinhos que realmente me pegavam eram os da Disney, Turma da Mônica e outras revistas mais infantis. Os de super-heróis vinham menos, com algumas exceções pontuais.

Curiosamente, o primeiro gibi do Homem-Aranha que li foi justamente um da RGE, com a história da morte da Gwen Stacy. Eu nem sabia quem ela era — no desenho ela não existia — e, de repente, ela morria. O impacto emocional foi quase nulo. Mas algo ali incomodava. Talvez não pela personagem em si, mas pela ideia de que alguém podia simplesmente morrer numa revista em quadrinhos. Para uma criança, aquilo já era desconcertante o suficiente. Depois comprei alguma edição pontual como a que ele usava o uniforme negro pela primeira vez.

Anos depois, já adolescente, comecei a realmente acompanhar o Aranha com minissérie  A Última Caçada de Kraven, que me levou a comprar os dois títulos do aracnídeo que saia em banca. Coincidentemente, a poucos números dali (seis edições, se me lembro bem), a revista A Teia do Aranha republicou a saga da morte da Gwen. E dessa vez foi diferente. Com mais bagagem, e acompanhando a personagem por uma sequência de historias, deu para criar uma verdadeira conexão. A tragédia ganhou peso. O luto, contorno. E o gibi, enfim, me pegou de verdade.

Minha cidade teve um cinema de rua — o único, aliás — e durou só até os anos 80. Depois disso, nos anos 90 inteiros, quem quisesse ver um filme na telona precisava pegar estrada. No meu caso, Bauru era o destino mais frequente; de vez em quando, Jaú. Mas aí, nos anos 2000, o cinema da cidade reabriu no mesmo local. E o primeiro filme exibido foi justamente O Homem-Aranha. Eu já tinha assistido semanas antes, numa dessas andanças, mas voltei — claro que voltei — só pelo gosto de ver o herói balançando entre prédios no mesmo lugar onde, décadas antes, eu via o Super Homem, o Rambo e o Didi. Naquela época nem tão distante assim, os lançamentos iam primeiro pros cinemas grandes. Os pequenos esperavam: uma cópia aqui, outra ali, e às vezes o filme chegava com um mês de atraso, como se tivesse vindo a cavalo. Hoje, com o digital, basta pagar. 

E, de fato, foi incrível. O filme O Homem-Aranha não apenas conquistou plateias, mas acendeu paixões raras, aquelas que não se veem em todo lançamento. A crítica celebrou, o público adorou, e os produtores sorriram com razão. À época, na locadora, ao pegarem a fita (sim, fitas!), as pessoas comentavam, quase sempre com um sorriso, “adorei esse filme”. Poucos resistiram aquela figura que pendia entre os prédios de Nova York.

Havia algo de especial naquele tempo, uma sensação difícil de encontrar hoje. Os trailers não vazavam antes da hora, os spoilers — aliás, quase ninguém usava esse termo — não surgiam travestidos de memes. A experiência de ver um filme ainda era preservada, quase intacta, como se o tempo ao redor respeitasse aquele momento.No geral, ninguém se importava tanto com essas pequenas revelações que certamente chegariam a você . Ir ao cinema ainda era um pequeno ritual: combinar com os amigos, encarar a fila, escolher a melhor poltrona, comprar pipoca com refrigerante grande e mergulhar de cabeça na história. E se você perdesse o filme nos cinemas, era preciso paciência — ele só chegaria à locadora meses depois. Na TV aberta, então, nem se fala. Era outro ritmo, outro tempo. Perder o momento significava, de fato, ficar de fora da conversa por um bom tempo.

Mas o que torna o Homem-Aranha tão especial?

Para os fãs dos quadrinhos, a resposta é clara: a fidelidade com que o personagem foi tratado. Apesar de algumas mudanças na história — e não foram poucas —, a essência do herói permaneceu intacta. Peter Parker, em sua complexidade humana, nunca foi traído. É verdade que, hoje, alguns "especialistas de internet" discordariam com veemência — mas talvez o problema deles seja menos com o filme e mais com questões que só um bom terapeuta resolveria.

Para o público em geral, o encanto está na identificação. Não é o Homem-Aranha que toca o coração, mas o próprio Peter Parker. Um adolescente comum, cheio de dúvidas, inseguranças e anseios. Um jovem que tem uma tia que mais parece uma avó protetora e um amor platônico que palpita no peito. Quem não foi adolescente, ou ao menos carrega um resquício daquela idade, pode reconhecer a si mesmo nessas cenas. Por mais cínicos que nos tornemos com o tempo, há ali uma fagulha que ainda pulsa — uma memória que insiste em permanecer. É como se o filme, em meio à ação e aos efeitos, sussurrasse com delicadeza: “você também já foi assim.”

Do ponto de vista da crítica, o filme é bastante contido, com enquadramentos que às vezes lembram uma produção para a TV e um formato de tela que parece equivocado para o cinema. O sucesso do primeiro permitiu a Sam Raimi mais liberdade para ousar, o que resultou em um segundo filme muito mais bem feito e tecnicamente refinado. Mas, desde o começo, o personagem já cativava o público de forma profunda e genuína.

E no fim, talvez o mais importante: todos, mesmo que por um instante, querem ser o Homem-Aranha. Não apenas pelos poderes ou pelas acrobacias espetaculares, mas pela ideia de que é possível carregar o peso do mundo sem abrir mão da própria humanidade. De que responsabilidade e sacrifício, mesmo em silêncio, podem ter valor. Porque, no fundo, o que o filme propõe não é fantasia — é a pergunta silenciosa sobre quem escolhemos ser quando ninguém está olhando.


 

 

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A seguir o texto original, publicado na época em jornais locais

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                Incrível o filme “O Homem Aranha”. Não me lembro de nenhum outro filme sobre quadrinhos suscitar tantas paixões. O público adorou, a crítica saudou e os produtores nem se fala.

 

                 Outro dia um amigo meu me contou espantado que sempre ouve as pessoas na locadora, ao pegarem o filme na mão e comentarem “adorei esse filme”. Realmente, poucos não gostaram.

                 

Mas o que o Homem-Aranha tem de tão especial ?

 

                 Para os fans dos quadrinhos foi sem duvida a fidelidade que o personagem foi tratado. Desculpe-me os puristas, mas as mudanças na história (que foram bastantes) não chegaram a nenhum momento a afetar a personalidade do herói.

 

                 Para o público em geral é a identificação com o heroi. Ele é real. Não o Homem Aranha, mas o verdadeiro herói da série, Peter Parker.

                 

                 Peter é um adolescente como qualquer outro, cheio de duvidas e anseios próprios de sua idade. Tem uma tia (que mais parece uma avó) que o mima e um grande amor platônico. E ora, quem não é adolescente pelo menos um dia foi (ou virá a ser). Por mais cínica que for a pessoa em admitir, algo em seu coração vai pulsar.

 

Para a crítica temos um ótimo roteiro, ótimos atores nos papéis corretos (só Willian Dafoe está um pouco descontrolado) e excelentes efeitos em CGI que parecem reais. Sem falar na direção segura de Sam Raimi, (Evil Dead) que já vinha dando sinais de maturidade desde “Um plano simples” (1998). O mesmo Sam Raimi que já tinha feito um bom-filme-de-quadrinhos-sem-ser-de-quadrinhos, “Darkman” (1990). O filme padece de planos mais ousados, o que seria compensado na parte 2, tecnicamente melhor, mas era só um detalhe perto das grandes emoções proporcionadas pelo filme.

 

E o mais importante de tudo. Todos querem ser o “Homem Aranha”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



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