Por Gustavo Basso
Aqui outro texto resgatado, desta vez com base em Entrevista que fiz com o autor e que não tinha publicado aqui (por isso a menção a Odisseia de Hakim que na epoca só tinha saído o volume 1. Hoje tem completa e outras edições foram publicadas no Brasil).
As entrevistas tem link no final da matéria
Ele chegou ao Brasil quase por acaso, guiado por uma equação simples: clima ameno, vida calma. Fabien Toulmé, 40 anos, nascido em Orleães, França, e engenheiro por formação, desembarcou em João Pessoa com uma mala cheia de dúvidas e um caderno vazio. Ali, entre as dunas e as praias, algo começou a tomar forma — não no papel dos cálculos, mas no traço nervoso da caneta que rabiscava histórias nas margens do cotidiano.
Hoje, reconhecido no Brasil como um dos quadrinistas mais sensíveis da nova geração, Fabien lança seu terceiro álbum pela Editora Nemo: A Odisseia de Hakim, Vol. 1 — Da Síria à Turquia. Uma obra sobre o jovem refugiado sírio, que narra, em silêncio e cor, a travessia desesperada entre países e esperanças.
Fabien fala com a voz calma de quem já desenhou a vida inteira, mesmo que tenha se demorado a se perceber artista.
“Eu copiava o Jolly Jumper no chão da sala, tentando acertar o traço”, lembra. Lucky Luke, Tintim, Asterix — esses eram seus companheiros de infância, muito antes de as palavras começarem a ganhar a forma mais dura da engenharia.
Foi o Brasil que o devolveu ao desenho. “Quando abri meu escritório de engenharia em Fortaleza, o trabalho já não me fazia feliz. Voltei a desenhar, participei de um curso, reencontrei a caneta.” Uma lenta fuga da rigidez dos números para a liberdade da narrativa gráfica.
Seu primeiro livro, Não era você que eu esperava, uma autobiografia que narra a chegada da filha com síndrome de Down, foi escrito durante noites roubadas ao sono. “Eu trabalhava de dia e desenhava à noite. Não podia largar meu emprego antes do contrato com o editor. Era uma tensão constante, mas foi o que me fez crescer.”
Ao longo da conversa, Fabien se revela um observador cuidadoso das pequenas coisas — do atraso simpático do brasileiro, à música que embala seus dias, passando pela memória afetiva de uma João Pessoa que hoje já não é mais a mesma.
A música, diz, é um pano de fundo para sua vida, e se tornou um personagem de Duas Vidas, seu livro anterior, mas nunca um vício ou uma obsessão. “Sou eclético, gosto de reggae, jazz, música brasileira... mais da tradicional. MPB, Bossa Nova, Forró. Acho que mais da metade do que ouço vem do Brasil.”
Sobre o Brasil, Fabien não cultiva clichês. O país que encontrou foi mais rústico, menos glamouroso, mas profundamente acolhedor. “O brasileiro é caloroso. E até hoje entendo o jeito atrasado, essa maneira de viver que é menos formal.”
De volta à França, ele não abandonou o Brasil, nem as memórias, nem as histórias que ainda quer contar. A obra sobre Hakim nasceu da vontade de dar voz ao que o noticiário muitas vezes reduz a números frios. “Meu quadrinho é mais humano, mais próximo do indivíduo do que da análise política.”
Aos poucos, Fabien Toulmé desenha um caminho entre autobiografia, ficção e reportagem, buscando um equilíbrio delicado entre o que é vivido e o que é contado.
“Eu sou um pouco Baudouin e um pouco Luc,” diz, citando personagens de seus quadrinhos — o homem dividido entre um trabalho que não ama e a busca por uma paixão, e o irmão que celebra a vida, o riso, a festa.
O Brasil ainda pulsa em sua voz, mesmo a milhares de quilômetros, na melodia da saudade e na certeza de que as histórias mais importantes são aquelas que nos fazem humanos — imperfeitos, cheios de dúvidas, mas sempre em busca.
“Espero que o que eu faço ajude as pessoas a entenderem outras vidas. E talvez a olharem para a sua própria com mais gentileza.”
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Se alguém quiser se aventurar pela Entrevista completa ela foi publicada AQUI, E tem também a versão mais enxuta com revisão do Sidão, publicada no UniversoHQ

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