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terça-feira, 15 de julho de 2025

O Disco Que Me Esperou


Na época do lançamento de Yankee Hotel Foxtrot, do Wilco, lembro de ter lido críticas calorosas — daquelas cheias de palavras difíceis e entusiasmo genuíno. Era começo dos anos 2000 e, sim, ainda existiam revistas. Jornais, colunas especializadas, críticos que escreviam com a segurança de quem tinha passado uma vida inteira ouvindo discos em vez de apenas reproduzir playlists. Mesmo quando erravam, erravam com convicção e repertório. E isso fazia diferença.

Eu não conhecia a banda. O nome soava estranho, meio modesto: Wilco. Mas as críticas não. Elas beiravam a euforia, apontando o disco como uma reinvenção do rock, uma obra-prima à frente do seu tempo.  

Na minha cidade havia uma boa loja de CDs mas como é uma cidade pequena raramente chegava o que não era mainstream ou ao menos Rock antigo. Mas sempre ia pra Bauru, cidade ao lado, que tinha varias lojas. Uma em especial no piso superior do Bauru Shopping, eu frequentava com a devoção de quem ia à igreja. Eu ia com o dinheiro contado e passava horas escolhendo qual disco levar. Era um ritual de paciência e fé. Cada álbum comprado era uma aposta feita com o coração.

Mas o Yankee Hotel Foxtrot eu vi pela primeira vez exposto em outra loja, no piso inferior do mesmo shopping. Capa minimalista, meio sombria, meio misteriosa. Li a contracapa, observei as faixas, mas... deixei passar. Havia sempre algo que me parecia mais urgente, mais familiar. Wilco ficou na prateleira.

Naquele tempo, já existia Napster, Emule, essas formas meio tortas e demoradas de acessar música. Mas baixar um disco não era simples. Então, se você não comprava o CD, era bem possível que nunca o ouvisse. O tempo passou, a loja fechou, e o disco virou uma daquelas pequenas frustrações que a gente arquiva sem perceber.

Alguns anos depois, com as lojas online ganhando corpo e os preços ficando menos assustadores, finalmente consegui o disco. E fui ouvir — ansioso, curioso, cheio de expectativa acumulada. Mas… nada aconteceu. A voz de Jeff Tweedy me pareceu fina demais, o clima do álbum parecia distante, quase frio. Não achei ruim, mas também não me tocou. O CD foi pra estante, esquecido.

Enquanto isso, a banda seguia. A Ghost Is Born foi lançado, depois o ao vivo Kicking Television. Vieram também Sky Blue Sky e Wilco (The Album), aquele com o camelo na capa. Mas as revistas de música já rareavam. A Rolling Stone resistia, a Billboard era rasa. O nome Wilco ia crescendo, mas a banda continuava passando ao lado da minha vida.

Até que um dia — e não sei dizer exatamente quando — tive acesso a outro disco deles, talvez Being There, talvez Summerteeth. E algo começou a se conectar. A música falava outra língua, que eu agora entendia. Os sons, antes indecifráveis, começaram a soar como paisagem familiar.

Voltei ao Yankee Hotel Foxtrot. Sem grandes expectativas, ja que ja tinha ouvido varias vazes, mas quase por curiosidade. E foi ali que aconteceu.

De repente, o disco me atravessou. Como se estivesse me esperando todos aqueles anos. Aquilo que antes parecia estranho agora soava íntimo. Aquilo que soava distante agora me acolhia. As canções falavam comigo de um lugar que só o tempo pode abrir.

Desde então, a cada novo lançamento — The Whole LoveStar WarsSchmilco (com aquela capa insana do Joan Cornellà) — fui acompanhando como quem reencontra um velho amigo. Desses que você conhece há pouco tempo, mas tem a sensação de sempre ter estado por perto.

Não gosto muito de falar em “banda favorita”. Tenho muitas, e gosto de deixar o coração mudar de ideia. Mas o Wilco certamente ocupa um lugar privilegiado. Não só pela música, mas pelo jeito como entrou na minha vida: devagar, depois, no tempo certo.

Algumas bandas — como alguns livros, filmes e até pessoas — só a maturidade nos permite enxergar. São como cartas que só fazem sentido anos depois de escritas. Ou como discos que, de tanto esperarem, acabam encontrando a gente quando estamos prontos para ouvi-los de verdade.

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