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terça-feira, 15 de julho de 2025

Canções Que Esperam a Gente Ficar Pronto – Parte 2: The National

 Nem todo disco nos ganha na primeira escuta. Aliás, alguns parecem fazer questão de se esconder. São obras tímidas, que nos olham de longe, desconfiadas, esperando que a vida nos dê tempo e sensibilidade suficiente para compreendê-las. Foi assim comigo e o Boxer, do The National.

Comprei o CD na época de seu lançamento, lá em 2007, meio no embalo da recomendação de um primo de um amigo que vinha de São Paulo e falava com convicção de quem parecia saber das coisas. “Escuta isso, é diferente”, ele disse, com aquele entusiasmo que a gente respeita mesmo sem entender. Comprei. Ouvi. E... nada.

Achei o disco lento. As músicas pareciam todas iguais, a voz do vocalista — grave, arrastada — dava a sensação de que estava sempre cantando a mesma faixa. Ainda assim, dei algumas chances. Mas logo o Boxer foi parar na estante, entre outros CDs que pareciam prometer mais do que cumpriam. Lá ficou. Silencioso. Esquecido. Um livro ainda não lido.

Os anos passaram. A fama do The National cresceu. A crítica elogiava, as pessoas comentavam, capas de revistas internacionais os colocavam ao lado dos grandes da geração. Mas eu ainda torcia o nariz, como quem guarda uma leve mágoa de uma decepção antiga.

Até que um dia, já em tempos de vinil ressuscitado, me deparei com Boxer e High Violet em LP, numa promoção qualquer. Algo me fez colocá-los na sacola. Talvez não fosse mais ceticismo, apenas desconfiança branda. Eu sabia que não era uma banda que eu havia “detestado”, apenas uma que ainda não me tinha tocado. E eu já tinha aprendido que algumas coisas simplesmente chegam tarde.

Coloquei os discos pra tocar. O som era bonito, mas ainda não me arrebatava. As músicas continuavam parecidas, o vocal de Matt Berninger ainda parecia preso numa névoa emocional espessa. Mas havia algo ali. Uma promessa, talvez. Um aceno.

Foi aos poucos. Como um perfume que se instala devagar na roupa. Comecei a ver alguns clipes, pedaços de shows. A banda já não parecia mais fria — parecia contida. Era outra coisa. Era contenção, não distância. Era vulnerabilidade, não apatia. Aos poucos, as músicas deixaram de parecer cópias umas das outras e passaram a soar como variações de uma mesma dor, uma mesma saudade, uma mesma entrega.

No meio disso tudo assisti a um show do The National no Lollapalooza, em meio a uma tarde abafada e aquela típica pressa de festival. Mas festival, convenhamos, não é o melhor lugar para ver uma banda como eles. O som é disperso, às vezes até ruim, e a beleza das músicas — que pede silêncio, atenção, uma certa entrega — se perde um pouco entre filas, conversas paralelas e palcos simultâneos. Ainda assim, em certos momentos, mesmo com toda essa distração em volta, dava para sentir a força daquelas canções tentando nos alcançar.

Anos depois veio The Alcott, parceria com a Taylor Swift. Vi alguém no Instagram — desses perfis que a gente respeita — postar um story emocionado com a canção. Fui ouvir. E torci o nariz. Taylor Swift? Com o The National? Era quase como ver seu restaurante favorito servindo ketchup na entrada.

Mas já era tarde para resistências. A música me encontrou em um momento mais aberto, mais curioso, mais calejado também. E com o tempo, ela foi revelando o que tinha de delicado, de doloroso. Era linda, afinal. O preconceito era meu, como costuma ser.

Era época de pandemia, e a música certa num momento de isolamento tem um poder devastador. Comprei o LP First Two Pages of Frankenstein assim que saiu. E ali não tinha mais como negar: eu tinha me rendido.

O disco bateu. De verdade. Como quem chega atrasado mas vem com as palavras exatas. Aquelas letras miúdas que pareciam crônicas da minha própria confusão. A banda que antes me parecia morna agora soava íntima, sincera, transparente em sua melancolia.

The National, como o Wilco, foi uma banda que esperou eu ficar pronto. Que respeitou meu tempo, minha maturação, minhas camadas. São músicas que não gritam. Que não imploram atenção. São canções que simplesmente existem, como pessoas que não falam muito mas têm um mundo dentro.

E é curioso pensar em quantas coisas deixamos passar simplesmente porque ainda não estávamos prontos para elas. Quantos discos, livros, filmes — e até pessoas — que não nos tocam de imediato, mas que, quando voltam, parecem ter estado conosco o tempo todo.

A beleza, às vezes, é paciente. E espera a gente crescer.

O The National, assim como o Wilco, acabou se tornando uma das minhas grandes bandas favoritas de todos os tempos — ao lado de outras que amo com igual devoção, como Pink Floyd, R.E.M., David Bowie, The Cure e The Smiths.

No fim das contas, as bandas que amamos de verdade não são só trilhas sonoras. São moradas. A gente vive nelas. Acorda num disco do R.E.M., almoça com o Bowie ao fundo, atravessa uma tarde cinza como uma faixa do The Cure. Há noites em que dormimos embalados pela tristeza elegante dos Smiths e outras em que acordamos com guitarras do Wilco, pedindo silêncio e ruído ao mesmo tempo.

Cada uma dessas bandas chegou de um jeito diferente. Algumas foram paixão à primeira nota. Outras, como Wilco e The National, chegaram devagar, pela porta dos fundos, pedindo licença para entrar. E entraram. E ficaram. E com o tempo se tornaram tão fundamentais quanto aquelas que sempre estiveram ali.

Pink Floyd foi descoberta adolescente, quando tudo era um pouco maior do que precisava ser. The Cure apareceu como um antídoto para o que eu não sabia nomear. R.E.M. era um amigo invisível no rádio. Bowie sempre foi um universo à parte — desses que você entra e nunca mais sai inteiro. The Smiths, com suas dores milimetricamente articuladas, me ensinaram que a melancolia também pode dançar.

E então vieram Wilco e The National. Vieram tarde, mas não vieram menos. Vieram como vêm as coisas que realmente nos transformam: quando estamos prontos. E nos ensinaram outra lição — talvez a mais bonita de todas: que a música não tem prazo de validade, mas ponto de encontro. Às vezes, ela só está nos esperando no lugar certo da vida.

É por isso que, ao olhar para trás, não consigo listar essas bandas como quem preenche um top 5. Elas não são ranking. São raízes. São mapas de tudo o que senti e ainda vou sentir.

Novamente, A beleza, às vezes, é paciente. E espera a gente crescer.

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