Saudades da minha lembrança foi o titulo de um livro que reune, no começo do século algumas crônicas que escrevia para jornais. Adoro esse titulo que algum tempo depois o cantor Nervoso deu por um zeigeist absurdo para o seu primeiro disco solo (Alias tem uma entrevista que fiz com o cantor nesse link)
Hoje não usaria mais como titulo do livro para nao parecer que roubei o titulo, mas sem pudor de usar aqui no blog nessa serie de artigos onde pretendo rever alguns textos que hoje acho bem amadores mas de alguma forma as ideias permanecem. Pretendo reescreve-los, tentando deixar mais contemporâneo e ao mesmo tempo que mudo o ponto de vista sobre algumas coisas. No final acrescento o texto original
Rock, Sexo e Gel de Cabelo: o Brasil dos 80 em 33 rotações
Foi nos anos 80 que as gravadoras brasileiras, sempre atrasadas mas nunca bobas, perceberam que o rock — esse estranho bicho de jaqueta e rebeldia — podia, sim, ser domesticado, enlatado e vendido em suaves prestações.
De repente, o que antes era subversão virou vitrine. O RPM, com teclados supersônicos e libido de arena, mostrou que dava pra lotar estádios com poesia de fotonovela. Blitz, Lulu Santos e a já veterana Rita Lee cuidaram do resto: o rock virou produto, trilha sonora de comercial de jeans e abertura de novela das oito.
E então veio a febre. A segunda metade da década foi tomada por uma explosão de bandas de pop-rock que achavam que podiam salvar o mundo com três acordes e um refrão de rima pobre. Muita porcaria (a maioria) invadiu as rádios, mas entre uma boy band de mullets e uma cantora de ombreiras, sobraram faíscas de talento: IRA!, Titãs, Ultraje a Rigor, Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana, Lobão, e outros nomes que a nostalgia insiste em canonizar. Havia também as preciosidades menores — Zero, Hojerizah, Replicantes, Cascavelletes, De Falla, Picassos Falsos — bandas que, ao menos, inconscientemente sabiam que nunca seriam grandes, e por isso mesmo foram melhores.
O cinema, claro, não deixaria o filão escapar.
Lael Rodrigues, espécie de Spielberg tropical do mainstream adolescente, dirigiu dois clássicos involuntários do gênero “rock de vitrine”. O primeiro, Bete Balanço (1984), é um delírio narrativo embalado a libido e penteado de mousse. O roteiro? Um fiapo: garota ingênua do interior vai ao Rio tentar a sorte como cantora.
Mas quem liga? Tinha sexo, coca-cola, Barão Vermelho com Cazuza e Débora Bloch transando com meio elenco. Tinha também Titãs, Lobão e até grupos com nomes que pareciam piada interna (Manhas e Manias, Metralhatxeka — sim, com “x”). Era o rock nacional em versão cinematográfica: desajeitado, histérico e irresistível.
Mas o elenco musical compensa: Metrô, RPM, Tokyo, Fito Páez (em versão proto-acústico MTV), Celso Blues Boy, La Torre, Vírus — e até “Os Melhores”, que ironicamente não eram.
Rever esses filmes hoje é um prazer culposo. Eles condensam tudo o que havia de patético e encantador naquela década: o entusiasmo sem noção, o romantismo pós-ditadura, a crença de que a juventude mudaria o mundo com calça de lycra e guitarras de acrílico.
Lael, ja mais maduro, ainda fecharia sua trilogia do rock brasileiro com Rádio Pirata — título que dispensa explicações para quem viveu os anos 80. O filme, de 1987, é talvez o mais ambicioso (e o mais ingênuo) do trio: tenta misturar rebeldia juvenil, conspiração corporativa e amor em tempos de paranoia tecnológica — uma ficção científica à brasileira, feita com walkie-talkie, topete e boas intenções.
Na trama, depois de descobrir uma fraude em um centro de processamento de dados — expressão que já entrega o tempo e o lugar —, um casal é falsamente acusado de assassinato. Fugindo em uma van, eles montam uma rádio clandestina para tentar mobilizar a opinião pública. É o gesto heroico típico de uma década em que se acreditava que um transmissor improvisado poderia mudar o mundo. O Final acredito eu causaria muita controvérsia hoje, mas a moral passou batida à epoca, assim como o filme.
Curiosamente, ao contrário de Bete Balanço e Rock Estrela — que usavam músicas homônimas como tema principal, repetidas à exaustão entre uma cena e outra —, aqui a canção que batiza o título nem aparece. Rádio Pirata, a música, ficou de fora. O tema do filme é Brasil, de Cazuza, lançada antes de virar trilha de novela e ainda fresca, ferida, antes de ser domesticada pelo horário nobre.
O resultado é uma mistura curiosa de thriller e videoclipe, movida por um entusiasmo quase adolescente. O roteiro tropeça, a moral da história pesa, mas há ali algo autêntico — um lampejo de idealismo, aquele mesmo que fazia os jovens da época acharem que o rock ainda era uma forma de resistência. Rádio Pirata encerra a trilogia como uma espécie de epitáfio otimista: o último suspiro de uma geração que ainda sonhava com liberdade, mesmo que o som viesse com chiado.
Areias Escaldantes é aquele tipo de delírio cinematográfico que só poderia ter nascido nos anos 80 — e ainda assim, situado num “futuro distante”: 1990. No enredo, um grupo de jovens terroristas tenta derrubar um governo fascista que domina o Brasil. O plano? Roubar bancos. A execução? Um desastre glorioso.
O elenco é um espetáculo à parte — e não necessariamente pelos motivos certos. Lá estão Catarina Abdalla (quem não se lembra da eterna Ronalda Cristina de Armação Ilimitada?), Chris Couto, futura VJ da MTV, Luiz Fernando Guimarães, Diogo Vilela (sim, ele de novo — onipresente e incansável), Neville de Almeida (!) e, veja só, Titãs, Ultraje a Rigor, Lobão e os Ronaldos, Jards Macalé… todos eles provando, com dedicação comovente, que são ótimos cantores — e atores apenas nas horas vagas.
E, claro, Cristina Aché. Como esquecer? Uma das minhas crushes absolutas da pré-adolescência — dessas que a gente via na tela e achava que o mundo adulto seria uma mistura de Rock Estrela com Armação Ilimitada. Ingenuidade bonita, como quase tudo que veio dos anos 80: exagerado, confuso, mas cheio de coração.O filme mistura estética new wave, figurino de videoclipe da Manchete e uma trilha sonora que poderia estar em qualquer especial de fim de ano da Globo. A direção parece não saber se quer fazer ficção científica, drama político ou desfile de moda distópico — e no fim entrega um pouco de tudo, sem pé, cabeça ou vergonha.
É ruim, claro. Mas é um ruim fascinante. Um sci-fi tropical que acredita piamente na própria seriedade, com efeitos dignos de uma convenção de microcomputadores e diálogos que fariam corar até um roteirista de novela das sete. Só que, no meio desse caos, há algo irresistível: uma autenticidade que o cinema de hoje, tão polido e previsível, raramente ousa ter.
Porque Areias Escaldantes pode não funcionar como filme — mas como cápsula do tempo, é um documento precioso: o Brasil tentando ser futurista com o orçamento de um comercial de sandália Havaianas e o entusiasmo de quem achava que o amanhã chegaria em VHS
Lembro de rever, já no fim do século, uma fita do Rock in Rio II (1991) e perceber que os anos 80 ainda não tinham acabado. As roupas, os cabelos, a pose de “somos o futuro” — tudo permanecia ali, firme, teimoso. Só com a chegada do Nirvana é que a década, enfim, deu seu último suspiro. O grunge limpou o glitter, mas deixou o vazio.
Hoje, ironicamente, vivemos presos ao mesmo espelho retrovisor.
A cada nova onda de nostalgia, o passado ressurge como fetiche: bandas voltando, cortes de cabelo replicados, sintetizadores reabilitados. Os anos 80 viraram uma praga elegante — e nós, os sobreviventes, seguimos celebrando a febre, como se o exagero tivesse sido uma virtude estética.
Mas talvez haja nisso tudo uma sabedoria inconsciente: é mais fácil venerar um tempo em que o rock ainda acreditava em si mesmo do que encarar o presente, onde ele virou playlist corporativa.
Afinal, como diria qualquer refrão da época: somos felizes e não sabemos.
F |
oi na década de 80 que as gravadoras brasileiras finalmente perceberam que o Rock, este estranho objeto de rebeldia pode ser muito bem capitalizado e se desvincular com a imagem da Jovem Guarda e ter novamente um lugar ao sol. Depois do sucesso do RPM e das bem sucedidas vendas da Blitz, Lulu Santos e da já veterana Rita Lee a segunda metade da década foi tomada pelo pop-rock que já ensaiava sua revolução alguns anos antes. Muita porcaria (a maioria) invadiu as rádios , mas alguma coisa boa se salvaria no meio, como os até hoje conhecidos IRA! , Ultraje à Rigor, Titãs, Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana, Lobão e até preciosidades menos conhecidas (e em alguns casos até melhores) como Zero, Hojerizah, Replicantes, Cascavelletes, De Falla, Picassos Falsos e muitos outros.
E o cinema também não podia deixar de capitalizar em cima dessa onda. Lael Rodrigues dirigiu dois “clássicos” desta época. O primeiro deles, o mais famoso é “Bete Balanço” de 1984. Roteiro que é bom nada, mas o filme é um delírio para os saudosistas. A história é aquele clichê de sempre, digno dos melhores filmes da Xuxa e da Carla Perez: Garota ingênua do interior vem para o Rio tentar sua carreira como cantora. Como o filme foi feito para adolescentes dos anos 80 o que não falta é sexo. Débora Bloch, a personagem principal transa tanto com Lauro Corona (lembra ?) e com a Maria Zilda. O elenco trás ainda Diogo Vilela, Hugo Carvana, Duse Nacarati, Arthur Muhlenberg e a verdadeira razão de ser desse texto, o rock nacional, aqui representados por (claro) Barão Vermelho (Na época com Cazuza), Lobão e os Ronaldos, Titãs, Brylho, Manhas e Manias (!) , Metralhatxeka (!!). Quem viveu essa época tem motivo de sobra para cultuar esse filme e quem sabe pensar duas vezes quando falar mal de algumas produções mais recentes.
O outro grande momento de Lael Rodrigues nos anos 80 foi “Rock Estrela” de 1985, novamente com Diogo Vilela (que roubava a cena no filme anterior) e com , Andréa Beltrão, Adriana Riemer, Gulherme Karam , Vera Mossa (!!!) e Leo Jaime e a estréia de Malu Mader nos cinemas. Conta a história de Rock , um rapaz do interior (já ouvi isso antes), estudante de música clássica que vai até o Rio morar com o primo, interpretado pelo roqueiro e orkuteiro Léo Jaime. Lá ele fica balançado entre a namoradinha de infância Malu Mader (incorporando vários esteriotípos da década) e a jogadora de Volei Vera.
É mais um caso de curiosidade do que de qualidade. Mas o desfile de bandas como Metrô, RPM, Tokio, o próprio Leo Jaíme garante uma olhada. E prá quem só conheceu do roqueiro Argentino Fito Paez no acústico do Titãs aqui terá uma boa surpresa. E não é só isso , tem também Celso Blues Boy, Os Melhores, La Torre , Vírus e É o Tcham (não, não é).
Ainda no final do século passado revendo uma fita do Rock in Rio II, de 1991, me surpreendi com as roupas que o público usava. Não me lembrava que a década de 80 perdurou até o começo de 92 mais ou menos. É das coisa que só conseguimos enxergar dado um tempo. Só com a chegada do Nirvana é que parece que a década mudou. Só não consigo ainda enxergar onde começa o novo século, já que a onda do momento é uma crise nostálgica sem tamanho da década de 80 que a mídia não se cansa de explorar. Mas tudo bem, em 2020 vamos poder relembrar desse começo de século, já que na década de 10 com certeza serão os anos 90 que estarão em voga.
Somos felizes e não sabemos.