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quinta-feira, 9 de outubro de 2025

LADO B DA VIDA - Sister Hazel & Blind Melon

Na seção Entre Fones e Destinos, onde costumo escrever sobre álbuns que me marcaram profundamente, às vezes tropeço em discos menores — aqueles que não mudaram minha vida, mas de alguma forma ficaram comigo por um tempo. São trabalhos que giraram no CD player, tocaram em repetições distraídas, me acompanharam em algum verão esquecido… e depois ficaram por ali, sem que eu corresse atrás de mais nada da banda na maioria dos casos (nem tudo é verdade absoluta).

A ideia aqui não é resgatar clássicos óbvios nem subestimar gigantes: é falar desses pequenos grandes discos, obras que vivem numa zona intermediária entre o apego e o acaso.

 SISTER HAZEL - ".... Somewhere more Familiar" (1997)

O Sister Hazel é uma banda de rock alternativo da Flórida, formada em 1993, que nunca quis reinventar a roda — e nem precisava. Seu som é uma mistura bem acabada de folk, southern rock e pop melódico, herdeiro direto de nomes como Crosby, Stills & NashCreedence Clearwater Revival e de tantas bandas americanas dos anos 90 que ainda acreditavam em refrões de estrada e harmonia vocal.

…Somewhere More Familiar, o segundo álbum do grupo, é o tipo de disco que não surpreende, mas acolhe. Um trabalho redondo, de melodias honestas e guitarras limpas, feito pra quem gosta de canções que soam familiares na primeira audição. O grande hit, “All for You”, colocou a banda no mapa e garantiu o disco de platina — mérito de um refrão simples e irresistível, daqueles que grudam sem pedir licença.

A origem do nome também tem algo de simbólico: Sister Hazel Williams era uma freira de Gainesville que administrava um abrigo para pessoas em situação de rua. O gesto de homenagem diz muito sobre o espírito da banda — generoso, comunitário e fiel ao público. Ao longo dos anos, o grupo manteve projetos beneficentes e um contato quase direto com os fãs, cultivando um público pequeno, mas leal.

No Brasil, o Sister Hazel não chegou a ter o mesmo alcance de um Kings of Leon (ou de seus vizinhos do Matchbox Twenty), mas ocupa um espaço curioso: fazem parte daquela linhagem de bandas que talvez nunca mudem o rumo da música, mas sempre tocam em alguma memória afetiva.

Somewhere More Familiar é um disco solar, de bons arranjos e nenhuma pretensão. O tipo de álbum que não promete revelações — apenas o conforto de um som bem tocado, bem cantado e com cheiro de final de tarde.

Não é um álbum que mudou minha vida.
Mas volta e meia, quando toca “All for You”, muda o meu humor — e talvez seja por isso que, tantos anos depois, ainda me pego cantarolando o refrão como se fosse 1997 outra vez.

BLIND MELON - 1992

Quem não conhece “No Rain”? O clipe da “abelhinha” atravessou gerações e virou ícone dos anos 90 — tanto que ganhou até paródia do Weird Al Yankovic na ótima “Bedrock Anthem”. Mas o disco de estreia do Blind Melon vai muito além desse sucesso solar e melancólico.

Lançado em 1992, o álbum chamou atenção primeiro por um detalhe curioso: o vocalista Shannon Hoon era amigo de Axl Rose e participou de Use Your Illusion em faixas como “Don’t Cry” e “November Rain” (inclusive no clipe). Essa ponte com o Guns N’ Roses deu à banda uma vitrine - mas o que sustentou o interesse foi o som em si.

No ano seguinte, veio o estouro: “No Rain” virou hino de uma geração que ainda equilibrava otimismo e apatia, luz e ressaca. A música catapultou o Blind Melon ao estrelato e, inevitavelmente, acabou engolindo o resto do repertório — o que é uma pena, porque esse primeiro disco é repleto de boas canções que respiram o mesmo ar psicodélico e folk do southern rock setentista.

Faixas como “Change”, com sua letra de autoaceitação e beleza despretensiosa, são pequenas pepitas perdidas em meio ao brilho de “No Rain”. E há outras que mereciam mais luz: “Sleepyhouse”, com sua vibração hippie noventista; “Tones of Home”, que abre o disco com groove e energia; Fugindo um pouco do album Procure tambem por “Soul One”“Toes Across the Floor”“Walk”“St. Andrew’s Fall” e “Mouthful of Cavities” e o belo cover de "Candy Says"  — onde todas revelam uma banda inspirada, mas tragicamente breve.

E, no meio disso tudo, eu caí — só para dar uma emoção.

Sim, o destino, aliás, foi cruel. Logo após o lançamento do segundo álbum, Soup (1995), Shannon Hoon foi encontrado morto no ônibus da turnê, vítima de overdose de cocaína. O Blind Melon lançou ainda o póstumo Nico (batizado com o nome da filha de Shannon) e, anos depois, tentou uma volta em 2008. Mas a magia daquele primeiro disco nunca se repetiu.

Na época, só esse álbum chegou à minha cidade — e talvez por isso tenha ficado mais forte na lembrança. Eu o ouvi muito, repetidas vezes, sem saber que estava testemunhando uma dessas obras únicas que condensam uma era.

Blind Melon de 1992 é exatamente isso: um disco que nasceu sem pressa, com alma de hippie tardio e melodia de estrada poeirenta.
Um disco que lembra que o rock dos anos 90 ainda podia soar esperançoso — antes que tudo virasse ironia, grunge e silêncio.

(Em tempo: esta matéria foi escrita ao som de “Version 2.0”, do Garbage, como você espertamente deve ter percebido — que não entra aqui, mas fica a dica.)


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