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terça-feira, 2 de setembro de 2025

João Fera desde 1986 – Um herói discreto finalmente no centro do palco


Alguns músicos passam a vida inteira no palco sem nunca ouvir seu nome gritado pela plateia. Ainda assim, sem eles, nada acontece. João Fera é um desses casos: tecladista dos Paralamas do Sucesso desde 1986, sempre ali, discreto entre caixas e cabos, enquanto a banda se tornava trilha sonora de gerações. Agora, ele finalmente assume o papel de protagonista em João Fera desde 1986, biografia escrita por seu filho, Raphael Silva Gonçalves.

O livro nasce de forma independente, e como toda biografia escrita por alguém próximo, carrega uma dose de reverência inevitável. Raphael escreve com emoção de filho — o que dá força ao retrato íntimo, mas também suaviza arestas. Falta, às vezes, um olhar mais crítico, aquele desconforto que costuma temperar as grandes histórias de música. Ainda assim, há valor nesse afeto: em vez de erguer um mito, o livro registra um artista de carne e osso, que atravessou bailes, palcos improvisados e turnês intermináveis até encontrar nos Paralamas seu lugar definitivo.

Raphael escreve com emoção de filho — às vezes até demais. A reverência é bonita, mas falta um pouco de fricção, de conflito, aquele ruído que dá ritmo às grandes histórias do rock. Ainda assim, o livro acerta ao resgatar a importância de quem sempre esteve nos bastidores, mas com as mãos nos controles do som.


Pelas páginas, desfilam turnês, bastidores que jamais chegariam ao Fantástico e fotos raras que costuram a trajetória de um músico que nunca buscou holofotes, mas iluminou canções inteiras. Não é um livro para quem procura escândalos — é para quem ama música e entende que ela também se faz no segundo plano, enquanto outros ocupam o microfone.

Porque a presença de João Fera nos Paralamas nunca foi decorativa. Seus teclados são parte do esqueleto melódico que sustentou hits, deu identidade a discos e ajudou a banda a navegar entre reggae, ska, pop e rock sem perder autenticidade. O livro, ainda que modesto em ambição literária, faz algo que a crítica musical muitas vezes negligenciou: dar crédito a quem estava na segunda fileira do palco, mas na primeira linha da criação.

João Fera desde 1986 é uma leitura afetiva, com cheiro de fita demo e textura de vinil gasto — um lado B que não toca no rádio, mas que todo fã reconhece como clássico. Não há revelações bombásticas, mas há a revelação maior: a de um artista que moldou, com discrição e talento, o som de uma geração. E isso, por si só, já faz barulho suficiente..

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