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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

OS MELHORES E PIORES FILMES DE 2014


Nem todos os filmes são desse ano, mas sim aqueles que eu vi esse ano. Com certeza algum ficou de fora, outros não entram na lista de melhores ou piores.


MELHORES DO ANO

The Normal Heart

 

Produzido pela HBO e dirigido por Ryan Murphy, The Normal Heart é mais do que um drama competente sobre os primeiros anos da epidemia de AIDS nos Estados Unidos — é um grito histórico que expõe, com coragem e sem suavizações, a negligência institucional e a fragmentação dentro da própria comunidade afetada.

Baseado na peça de Larry Kramer, o filme resgata o momento em que a doença ainda era cercada por silêncio, desinformação e estigma. O governo americano demorava a reconhecer a gravidade da situação, enquanto muitos homens gays enfrentavam sua própria dificuldade em organizar uma resposta diante de uma tragédia crescente — e invisível aos olhos da maioria.

Mark Ruffalo entrega uma atuação potente e contida, dando vida a um ativista tão apaixonado quanto politicamente errático. Sua performance é o eixo emocional do filme, sustentando com força a indignação que pulsa na narrativa. Julia Roberts, por sua vez, brilha como uma médica frustrada com a omissão das autoridades, em um papel que marca um de seus melhores momentos em anos.

Com um elenco sólido e comprometido (Matt Bomer, Jim Parsons e Alfred Molina também se destacam), o filme evita o melodrama barato e aposta numa mise-en-scène direta, mas eficiente, para expor a dor e a urgência de sua mensagem.

The Normal Heart não é uma experiência confortável — e nem deveria ser. Seu impacto reside justamente na crueza com que retrata uma página incômoda da história recente, ainda relevante em tempos de negacionismos e crises sanitárias. Uma obra essencial para compreender o preço do silêncio.


Ela 
Com "Ela", Spike Jonze alcança sua obra mais madura e emocionalmente complexa


Após se consolidar com filmes de forte apelo cult como Quero Ser John MalkovichAdaptação e Onde Vivem os Monstros, o cineasta Spike Jonze entrega, em Ela (Her, 2013), o que talvez seja seu trabalho mais coeso e emocionalmente profundo. Um filme que transcende os limites da ficção científica para explorar com sutileza temas como solidão, afeto e as formas contemporâneas de conexão humana.

No papel de Theodore Twombly, Joaquin Phoenix entrega uma atuação delicada e contida, possivelmente a mais poderosa de sua carreira até então. Carregando quase sozinho a narrativa, Phoenix constrói um personagem melancólico, vulnerável e surpreendentemente crível em sua relação com uma inteligência artificial.

Essa inteligência artificial é Samantha, sistema operacional com quem Theodore desenvolve uma relação romântica — e que ganha vida apenas por meio da voz envolvente de Scarlett Johansson. Mesmo sem aparecer em cena, Johansson consegue imprimir carisma, calor e nuances emocionais que tornam sua performance uma das mais marcantes do filme.

Ela é, acima de tudo, uma meditação sobre o amor em tempos de algoritmos — um retrato sensível e inquietante da fragilidade dos vínculos humanos diante da mediação tecnológica. Jonze, aqui, mostra total domínio de sua linguagem, evitando o cinismo fácil e entregando um filme que é, paradoxalmente, ao mesmo tempo distópico e esperançoso.


Sob a Pele



Dirigido por Jonathan Glazer, Sob a Pele (Under the Skin, 2013) é uma experiência cinematográfica que desafia classificações fáceis. O cineasta britânico — que já havia mostrado personalidade nos pouco lembrados Sexy Beast (2000) e Reencarnação (2004) — entrega aqui sua obra mais ousada, enigmática e, por que não, perturbadora.

Scarlett Johansson assume um papel incomum em sua carreira: o de uma predadora silenciosa que percorre as estradas da Escócia à caça de homens solitários. O filme nunca explica claramente quem — ou o que — ela é. Alienígena? Metáfora? Encarnada pulsão feminina num mundo masculino e hostil? Glazer não se interessa por respostas fáceis. E nisso reside a força do filme.

Baseado livremente no romance de Michel Faber, Sob a Pele opera num registro de imagens hipnóticas e sons dissonantes. Há momentos de puro desconforto, outros de beleza melancólica, sempre guiados por uma atmosfera fria e contemplativa. Johansson, em uma atuação minimalista e física, conduz o espectador por esse universo de tensão e ambiguidade — com coragem e distanciamento.

É também um filme que se abre a múltiplas leituras. Uma fábula feminista sobre o corpo e o desejo, uma crítica à objetificação, ou mesmo um comentário existencial sobre identidade e empatia. Mas nada é entregue de bandeja. A narrativa, quase sem diálogos, exige atenção e sensibilidade.

Sob a Pele é um dos raros exemplos de ficção científica autoral no cinema contemporâneo. Incômodo, atmosférico e inquietante, é um filme que permanece sob a pele do espectador muito tempo depois de sua última imagem escura e silenciosa.


O Lobo atrás da Porta


nspirado livremente no infame "Caso Fera da Penha", ocorrido no Rio de Janeiro nos anos 1960, O Lobo Atrás da Portamarca uma estreia vigorosa do diretor Fernando Coimbra no longa-metragem de ficção. Com ecos de uma canção sombria do Radiohead (que inspira o título) e uma pegada de thriller psicológico, o filme reconstrói, com tensão crescente, um episódio real de ciúme, desejo e violência que continua a reverberar em pleno século XXI.

A trama se desenvolve como uma investigação policial, mas seu verdadeiro foco é a dissecação das relações humanas — e, sobretudo, da estrutura da mentira cotidiana. Bernardo (Milhem Cortaz) é chamado à delegacia após o desaparecimento da filha pequena. Aos poucos, entre versões truncadas e olhares desconfiados, surge Rosa (Leandra Leal), sua amante, cuja presença muda o eixo do que está em jogo. O roteiro, também assinado por Coimbra, evita maniqueísmos e conduz o espectador por uma montanha-russa emocional que oscila entre o patético e o trágico, o cômico e o brutal.

Leandra Leal entrega uma atuação notável, cheia de nuances, alternando vulnerabilidade, sedução e fúria com precisão. Milhem Cortaz, por sua vez, constrói com naturalidade o típico homem comum, atolado em contradições, enquanto Fabiula Nascimento, como a esposa traída, tem menos espaço, mas cumpre bem seu papel.

O filme se beneficia de uma ambientação crua e sem glamour, com fotografia despojada e trilha sonora quase ausente — o que intensifica a tensão psicológica em cada cena. Ao misturar tons de humor amargo com momentos de violência emocional, O Lobo Atrás da Porta se revela não apenas um suspense eficiente, mas também um retrato perturbador das dinâmicas de gênero, poder e possessividade.

Mais do que recontar um crime, Coimbra entrega um estudo sobre o lado sombrio do amor e da obsessão. O resultado é um filme que prende pela força de sua narrativa e pelo desconforto que provoca — como todo bom thriller deve ser.

A Garota Exemplar


Após o desempenho morno de Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres, David Fincher retorna à sua melhor forma em A Garota Exemplar (Gone Girl, 2014), um thriller de aparências enganosas, manipulações afiadas e veneno conjugal, adaptado do best-seller homônimo de Gillian Flynn — que também assina o roteiro com notável precisão.

Fracasso de bilheteria no Brasil, mas sucesso de crítica internacional, o filme é daqueles cuja experiência depende da surpresa. Quanto menos se souber, melhor. Tudo começa com o desaparecimento de Amy Dunne (Rosamund Pike) em circunstâncias suspeitas e com a pressão da mídia rapidamente recaindo sobre seu marido, Nick (Ben Affleck), um sujeito ambíguo o bastante para levantar todas as dúvidas — inclusive em quem assiste.

Fincher constrói um filme cínico e meticulosamente calculado, onde a verdade é um jogo de versões. Com sua habitual estética fria, cortes secos e ritmo hipnótico, o diretor expõe as fissuras de um casamento aparentemente perfeito — e por tabela, das relações amorosas contemporâneas.

Rosamund Pike, até então vista como presença discreta, oferece aqui a performance de sua carreira: complexa, inquietante e profundamente desconcertante. Uma virada que não apenas a reposiciona em Hollywood, mas lhe rendeu uma merecida indicação ao Oscar. Já Ben Affleck, com sua habitual canastrice, revela-se ironicamente ideal para o papel de um marido indecifrável — aquele tipo de homem cuja expressão vazia pode esconder tanto culpa quanto puro desprezo.

A Garota Exemplar é um filme sobre as máscaras do amor, da mídia e da moral. Se Fincher nunca foi um cineasta romântico — como atestam as fragilidades de O Curioso Caso de Benjamin Button — aqui ele entrega sua visão mais cáustica e direta sobre o que pode existir por trás do “felizes para sempre”.

Perturbador, elegante e perversamente divertido, é um thriller que ainda reverbera depois da sessão. E que merece ser (re)descoberto, de preferência antes que algum spoiler acabe com o jogo.

 
 Olive Kitteridge
 
 
 
 

Baseada no romance vencedor do Pulitzer de Elizabeth Strout, Olive Kitteridge é mais um acerto dramático da HBO — desta vez em formato de minissérie, com quatro episódios que traçam, com rigor e delicadeza, um retrato nada idealizado da vida em uma pequena cidade americana. A direção precisa de Lisa Cholodenko e o roteiro de Jane Anderson dão forma à protagonista do título: uma professora de matemática amarga, sarcástica e profundamente melancólica.

Vivida com intensidade e contenção por Frances McDormand, Olive é uma dessas personagens que raramente ganham espaço em telas grandes ou pequenas. Complexa, desafiadora e muitas vezes difícil de gostar, ela é o tipo de figura que poderia facilmente cair na caricatura — não fosse a atuação magistral de McDormand, talvez a mais potente de sua carreira, o que não é dizer pouco para uma atriz que já carrega dois Oscars no currículo.

A série cobre três décadas na vida de Olive e de seus familiares e vizinhos, revelando aos poucos não só suas cicatrizes emocionais, mas também a fragilidade de uma existência construída em silêncios, ressentimentos e afetos mal resolvidos. Richard Jenkins, como o marido de Olive, é outro destaque, oferecendo um contraponto caloroso à frieza que ela parece cultivar como armadura.

Olive Kitteridge evita os clichês do melodrama e aposta num tom seco, por vezes sombrio, que exige atenção do espectador. Não há reviravoltas grandiosas, nem revelações catárticas. Há apenas a vida — com suas pequenas violências, momentos de ternura e longos períodos de solidão.

Mais do que uma boa minissérie, é uma rara demonstração de maturidade narrativa, ancorada em grandes interpretações e em uma aposta corajosa na sutileza.


 
Relatos Selvagens



Engraçado e chocante, Relatos Selvagens se confirma como uma das grandes surpresas do ano no cinema latino-americano. O filme, estruturado em episódios independentes, é um raro exemplo de antologia em que todas as histórias funcionam com força e intensidade.

Destaque especial para o segmento do casamento, um verdadeiro desfile de tensões e absurdos que eleva a narrativa a outro patamar. A mistura de humor negro com situações extremas lembra um encontro improvável entre Quentin Tarantino e Pedro Almodóvar — uma comparação óbvia, mas que não diminui a originalidade e o impacto da obra.

Com roteiro afiado e direção precisa, o filme de Damián Szifron provoca risadas desconfortáveis enquanto expõe as contradições e irracionalidades da natureza humana, fazendo do público cúmplice dessas pequenas revoluções cotidianas que todos, em algum momento, gostariam de protagonizar.


Ida


Ida é um drama belo e comovente, que conquista pela fotografia que enche os olhos e por uma história profundamente arrebatadora. Sem dúvida, um dos grandes filmes do ano, merecedor dos mais importantes prêmios.

Nas palavras do próprio diretor, a proposta foi criar um filme mais abstrato e expressivo, que convide à reflexão. A escolha por uma composição visual que foge ao clássico, com imagens que parecem até um pouco aleatórias, remete ao funcionamento das próprias lembranças — fragmentadas, vagas e intensas.

O resultado é uma obra que se destaca não só pela narrativa, mas pela sensibilidade com que trata temas universais, deixando o espectador impactado muito tempo após os créditos finais.


Mesmo que nada der certo


John Carney, conhecido pelo cult Once, entrega mais um trabalho musical primoroso em Mesmo que Nada Dê Certo. O filme se apoia em uma trama simples, mas eficaz, que gira em torno de um produtor musical fracassado — interpretado com sensibilidade por Mark Ruffalo — que encontra uma nova chance ao conhecer a talentosa compositora vivida pela cativante Kiera Knightley.

A direção de Carney aposta em uma comédia musical sutil, sem grandes artifícios, voltada claramente para um público adulto, que valoriza histórias sobre recomeços e segundas chances. Por sua temática e ritmo, o filme não é recomendável para adolescentes ou jovens adultos — se é que isso ainda pode ser definido com clareza — mas certamente agrada aos que buscam uma narrativa musical menos óbvia e mais humana.


Alabama Monroe



Felix Van Groeningen, diretor de Os Infelizes, retorna com Alabama Monroe, um dos grandes filmes do ano — embora seja de 2012, só agora tive a chance de assistir a este belo drama musical. A história envolve e emociona sem jamais apelar para o sentimentalismo fácil.

No centro do filme, um casal improvável: um cantor de bluegrass e uma tatuadora, cuja relação delicada e cheia de vida conquista o espectador. Prepare-se para se comover e, muito provavelmente, para usar muitos lenços ao longo da projeção.


Azul é a Cor mais quente


Sem dúvida, Azul é a Cor Mais Quente é uma das grandes obras do ano — para quem consegue passar por cima do burburinho e das críticas acaloradas que o filme provoca. Para provar que adaptação de HQ não precisa ser sinônimo de filme descartável, ele entrega uma história sensível e dura sobre dor, perda, preconceito e sofrimento.

As atuações das protagonistas são sólidas, a fotografia é exemplar, captando todas as sutilezas das emoções do casal, e o uso do formato de tela é absolutamente preciso, uma assinatura do diretor que não se repete à toa.

Claro, é cinema para gente grande — ou seja, não espere um romance açucarado ou um conto leve para passar o tempo. E justamente por isso, incomoda muita gente. Mas, se estiver disposto a encarar, o filme recompensa.


O Grande Hotel Budapeste


Wes Anderson mantém seu universo visual e narrativo, cheio de referências aos filmes clássicos, em O Grande Hotel Budapeste, uma aventura que se mostra mais acessível ao grande público do que seus trabalhos anteriores. Não é algo totalmente inesperado — Moonrise Kingdom já indicava essa direção —, mas este filme consolida a capacidade de Anderson de equilibrar seu estilo único com uma narrativa que agrada além do círculo dos fãs mais fiéis. O resultado é um trabalho que não decepciona, trazendo toda a excentricidade do diretor com uma leveza e charme que conquistam facilmente.

O Lobo de Wall Street


É realmente um deleite ver um diretor do calibre de Martin Scorsese se aventurar nessa comédia audaciosa que deu o que falar — e não é para menos. Sem qualquer pudor, ele expõe a vertiginosa ascensão e queda de um dos maiores canalhas do final do século, uma figura que, apesar de tudo, consegue ser até cativante. Maluf que o diga. Scorsese entrega aqui seu melhor trabalho desde Os Bons Companheiros, enquanto Hugo fica para trás como uma obra à parte — ou melhor, um intervalo para esse show de excessos e cinismo.

Que estranho chamar-se Federico



O que dizer de um documentário sobre Fellini dirigido por Ettore Scola? Se só os nomes desses dois gigantes não bastam para te convencer a assistir, então talvez você deva correr para os cinemas ver Êxodo do Ridley Scott — quem sabe essa seja mais a sua praia.

E para quem quer um olhar menos reverente e mais desconstruído sobre Fellini, Que Estranho Chamar-se Federico é a pedida certa: um documentário que mistura homenagem e ironia, trazendo uma visão diferente do mito, sem perder o charme que só o cineasta italiano tem. Uma boa contraposição para quem quer sair do lugar-comum.



O Homem Duplicado


O Homem Duplicado talvez seja um dos filmes mais controversos do ano — e, sem surpresa, um dos mais odiados por quem realmente o viu. Adaptando a obra de José Saramago, a trama acompanha Adam Bell (Jake Gyllenhaal), um professor cuja vida medíocre é subitamente virada do avesso ao encontrar alguém idêntico a ele. Pouquíssimos assistiram, menos ainda compreenderam, e quase ninguém gostou. Mas, honestamente, isso pouco importa. Denis Villeneuve, que já vinha mostrando talento com Incêndios (2010) e Prisioners (2013), confirma seu lugar entre os grandes diretores do cinema contemporâneo — mesmo que seu trabalho exija paciência e uma boa dose de interpretação.

Uma vida comum


Qual o interesse de acompanhar a trajetória de um homem cuja rotina é buscar parentes de indigentes falecidos? Pode parecer uma premissa árida, mas Uma Vida Comum, dirigido por Umberto Pasolini (sim, parente do Pasolini famoso), revela-se um filme surpreendente e sensível. Sem glamour ou grandes artifícios, o longa convida o espectador a refletir sobre memória, solidão e a inevitabilidade do esquecimento — temas que ecoam muito além da tela. Um filme que merece ser descoberto, mesmo para quem não teme ser esquecido depois da morte.

Viva a Liberdade


Mais um filme estrelado pelo excepcional Toni Servillo, conhecido pelo brilhante A Grande Beleza — ambos lançados no ano passado, mas que só tive a chance de ver este ano. Em Viva a Liberdade, a política italiana ganha uma camada de humor e entretenimento que, convenhamos, falta nas eleições brasileiras recentes. É um alívio assistir a uma trama onde o jogo político diverte e instiga, ainda que a amarga realidade da política real permaneça tão insatisfatória quanto sempre.

Inside Llewyn Davis


Mais um grande trabalho dos irmãos Coen, Inside Llewyn Davis narra a vida do talentoso — e arrogante — cantor de folk Llewyn Davis. Pela primeira vez, parece que os diretores demonstram certa compaixão pelo seu personagem, mostrando com delicadeza como a integridade artística pode ser um obstáculo para alcançar objetivos pessoais. Melancólico e pontuado por momentos de humor sutil, o filme é um prato cheio para fãs dos Coen e, claro, dos admiradores de Bob Dylan.

 Talvez não ocupe lugar de destaque na filmografia da dupla, mas certamente será uma pequena joia para quem se aventurar a descobri-lo no futuro.

Nebraska


Alexander Payne retoma seu melhor momento com Nebraska, após o resultado frustrante de Os Descendentes. O filme é uma melancólica comédia on the road que combina simplicidade narrativa com uma profundidade emocional que poucos diretores conseguem equilibrar tão bem. A fotografia em preto e branco não é apenas um recurso estético, mas um elemento fundamental que reforça o tom nostálgico e introspectivo da obra, capturando com sensibilidade as paisagens áridas e os rostos marcados pela vida do interior dos Estados Unidos.

No centro da trama está Bruce Dern, em uma das melhores atuações de sua carreira, como um patriarca teimoso e falho que embarca numa viagem ao lado do filho para reivindicar um suposto prêmio de loteria. A relação entre pai e filho, cheia de conflitos, ressentimentos e momentos de ternura, é o coração pulsante do filme. Payne mostra, com humor sutil e um olhar sem julgamentos, as fragilidades e esperanças dos personagens, ao mesmo tempo em que faz uma crítica delicada à América profunda.

Nebraska não é um filme grandioso em escopo, mas sua força está justamente na intimidade e humanidade que revela, confirmando Payne como um mestre das histórias sobre relações familiares e sobre as contradições da vida simples. Uma obra que emociona e faz pensar, digna de ser descoberta por um público que valoriza o cinema autoral e contemplativo.


Boyhood


Embora não seja exatamente o fenômeno que muitos pintam, essa comédia que corre por fora na corrida do Oscar é mais uma prova do talento singular de Richard Linklater, cineasta que sabe capturar a beleza simples do tempo que passa. Não alcança a genialidade da trilogia iniciada com Antes do Amanhecer, aquela delicada poesia sobre encontros e desencontros, mas ainda assim é um prazer entrar nessa viagem pela vida comum de um garoto — filmada, literalmente, ao longo de muitos anos.

O filme é feito de pequenos momentos, dessas coisas quase invisíveis que compõem quem somos, como as conversas que se estendem ao entardecer, os silêncios compartilhados, as mudanças imperceptíveis que só o tempo pode revelar. Tem suas falhas — a atuação instável da irmã do protagonista, a duração que às vezes pesa, e fugas do roteiro que esfriam o calor das poucas catarse —, mas é justamente essa honestidade, essa mistura de pretensão e simplicidade, que torna a experiência verdadeira.

No fundo, é um convite para olhar com calma para as pequenas histórias da vida, para sentir que, mesmo no ordinário, há algo profundamente extraordinário. E isso, no cinema de Linklater, nunca deixa de ter seu valor.




Outros que podiam estar na minha lista:
Clube de Compra Dallas (um filme que ganha força mais pela atuação dos protagonistas
Mapa das Estrelas(Cronnenberg segue sua fase de doenças mentais)
Philomena (fazia tempo que não via um filme tão bom do Stephen Frears)
Still Alice (será que o Oscar vai lembrar de Julianne Moore finalmente)
O Expresso do Amanhã (outra rara boa adaptação de uma HQ e do sempre interessante Joon Ho-Bong)
Amantes Eternos (vampiros podem render bons filmes ainda mais se o diretor for alguém como o Jim Jarmusch)
 Boa Sorte (Deborah Secco mostrando que não é apenas um rostinho bonito)
 Planeta dos Macacos - O confronto (que prazer ver uma franquia dessas ainda render bons filmes e que sabe utilizar bem a linguagem cinematográfica)
O Hobbit (execrado por fãs radicais do escritor, o que só conta a favor)
Praia do Futuro (do sempre extraordinário Karin Ainouz)
Uma Viagem Extraordinária (mais uma viagem de Jean Pierre Jeunet)
O Teorema Zero (Terry Gilliam voltando a sua boa forma)
O Abutre (apesar de não ter o mesmo impacto depois de ver o Argentino Abutres),
Jersey Boys (o subestimado e interessante musical do Clint Eastwood)
The Babbadock (uma supresa nos filmes de Terror,  o único do gênero que salva no ano)
The Rover (não tão bom quanto o anterior Reino Animal mas um bom filme)
Hoje eu quero voltar sozinho (personagens convincentes fazem a diferença nessa refilmagem do curta do mesmo diretor)
 
E alguns outros que naturalmente não vieram a minha cabeça a tempo. Alguns outros como "Era uma vez em Nova Iorque" ainda não vi e espero que  o hype seja verdadeiro.


PIORES DO ANO

Ok, não assisti "Velozes e furiosos", "O Homem Aranha", "Jogos Vorazes", "Anjos da Lei 2","um milhão de maneiras de se pegar na pistola", "Transformers" (se bem que esse eu podia colocar na lista pois é do Michael Bay, mas vai que ele acertou. E não, não vou conferir), "Annabelle" e tantos outros por isso vou me concentrar naqueles que me propus a assistir por motivo ou outro. Infelizmente mesmo selecionando acabamos vendo algumas bombas, seja sem querer seja por um diretor que tenhamos um fio de esperança.

Tusk


Você poderia pensar que, depois do desastre monumental que foi The Red State, Kevin Smith teria finalmente tocado o fundo do poço — mas, acredite, Tusk cavou um buraco ainda mais profundo. Se The Red State era o pântano, Tusk é o lodaçal fedido onde ninguém devia botar os pés. A premissa? Um cara vira... uma morsa. Sim, você leu certo. Uma Morsa. É quase como se o roteiro tivesse sido escrito depois de uma noite muito, muito errada de Kevin Smith com uma dose extra de pavor nonsense.

Curiosamente, traz Haley Joel Osment — aquele gordinho que um dia “viu gente morta” — como um alívio cômico que não alivia nada, só faz a confusão aumentar. Johnny Depp, por sua vez, parece ter entrado na brincadeira só pra rir da própria carreira, entregando seu pior papel desde O Turista (que, pra falar a verdade, nem tive coragem de ver). É como se Depp tivesse feito um pacto: “Não importa o roteiro, eu vou fingir que tô numa festa do pijama e só sair quando o filme acabar.”

Assistir Tusk é quase um teste de resistência: você vai rir do absurdo, vai se perguntar “como alguém teve essa ideia?” e ainda sair se perguntando se Kevin Smith está tentando pregar uma peça ou se realmente perdeu o juízo. No final, resta só o questionamento — e aquele gostinho amargo de querer esquecer que você assistiu isso. E olha que eu tentei respeitar os velhos trabalhos do cara, mas aqui, meu amigo, o respeito foi pro espaço junto com qualquer senso de lógica.


Interestelar


É triste — quase doloroso — ver um diretor que a gente admira entregar um trabalho tão fraco e desencontrado. Interestelar, em seus momentos mais inspirados, parece um patchwork de filmes clássicos como Sinais e 2001: Uma Odisséia no Espaço, mas sem a profundidade nem a sutileza dessas obras. Christopher Nolan, que já vinha com algumas escorregadas em roteiro, aqui entrega um produto relapso, que só sobrevive graças à boa vontade quase religiosa de seus fãs — que, convenhamos, são tão fervorosos e insistentes quanto os fãs de Legião Urbana e Los Hermanos na cena musical. E olha que isso é dizer muito.

O filme não é um desastre total, tem suas boas cenas, começa bem e mantém o interesse por boa parte do tempo. O meio do filme até oferece seu melhor momento — pena que tudo desande num final preguiçoso e arrastado, que te faz repensar várias escolhas questionáveis, como transformar o personagem principal num "grande astronauta" quando sua primeira missão, e única até ali, foi um fiasco; ou fazer com que ele, morando a poucos minutos da base da NASA, “por acaso” seja o único capaz de aceitar a missão espacial. Conveniência demais para um roteiro que já é bastante carente de frescor.

Anne Hathaway parece ter entrado só para justificar a presença feminina, pois, se você tirar a personagem dela do filme, não vai fazer a menor falta. Michael Caine, por sua vez, está lá porque, bem, é filme do Nolan — tipo um selo de qualidade automático, mesmo que o papel dele seja praticamente um fantasma.

E, claro, não poderia faltar aquele vício clássico de Nolan: a necessidade compulsiva de explicar para o público o que está acontecendo, com diálogos expositivos dignos de didáticos — como aquela cena em que um personagem explica para outro o buraco de minhoca, sendo que o outro claramente já sabe do que se trata. Essa obsessão já havia marcado A Origem e O Grande Truque, mas aqui atinge seu ápice de preguiça narrativa.

No fim das contas, Interestelar é uma decepção dolorosa para quem gosta do diretor — e, para constar, eu gosto de Legião Urbana, Los Hermanos e, principalmente, do Christopher Nolan. Só que desta vez, o filme não merece essa defesa.


Guardiões da Galaxia


Relutei muito antes de colocar Guardiões da Galáxia nesta lista, afinal só consegui aguentar uma hora do filme — e olha que tentei. Visual confuso, ritmo acelerado e piadinhas que, sinceramente, mais cansam do que divertem. Claro, foi um sucesso estrondoso nas bilheterias, prova de que hoje em dia humor fácil e efeitos estonteantes são suficientes para lotar cinemas.

A trilha sonora? Ah, essa até poderia ser um destaque, se não fosse aquela sensação de déjà vu: já ouvimos essas músicas muito melhor usadas em Cães de Aluguel e Quase Famosos. E cá entre nós, montar uma playlist boa com tantos clássicos por aí não é exatamente um feito notável — até porque ser Tarantino, com seu talento para casar música e cena, não é pra qualquer um.

No fim, Guardiões pode ser um espetáculo visual para muitos, mas para quem busca algo além de barulho e nostalgia reciclada, é difícil não se sentir meio perdido nesse turbilhão. Para Quarentões que vivem a adolescência plena.


Ninfomaníaca 


Mais um caso triste de um diretor que admiro e que resolveu me dar uma boa dose de frustração: Lars von Trier gastou cinco horas e meia para contar uma história que caberia facilmente em duas. Ninfomaníaca tem seus bons momentos — aqueles flashes de genialidade e descontrole que só ele sabe fazer — mas, no geral, é um exercício arrastado de paciência.

E olha, não é nada fácil aguentar o Shia LaBeouf como o interesse amoroso da protagonista — uma espécie de contraponto estranho ao desejo desenfreado da heroína. Dá até pra pensar que o masoquismo do espectador faz parte do plano do diretor, que sabe muito bem como provocar desconforto, seja ele físico ou erótico.

Entre cenas que flertam com o sublime e outras que se perdem em divagações intermináveis, o filme acaba parecendo mais uma maratona erótica-cerebral do que uma provocação sedutora de verdade. Ou seja, se Von Trier queria nos fazer refletir sobre o sexo, a solidão e o prazer, o tiro saiu meio torto — mas pelo menos, foi longa a jornada.


Virginia


Fiz uma retrospectiva Coppola neste fim de ano — só não me arrisquei a rever Jack nem O Homem que Fazia Chover, porque, convenhamos, masoquismo tem limite. É louvável que um diretor do calibre de Coppola, nesta altura da carreira, ainda queira experimentar e ousar, mas infelizmente Virginia se perde em um filme B de terror que pouco acrescenta à sua filmografia.

Desde Apocalypse Now, dá para perceber uma certa falta de interesse e cuidado do diretor em seus trabalhos, que depois navegaram entre o mediano e o esquecível — com exceção de Drácula e do final da trilogia do Padrinho, que continuam sendo casos à parte, quase milagres de seu talento.

Virginia é preguiçoso, frustrante e mais um daqueles projetos que parecem feitos só para preencher um currículo, e não para emocionar ou surpreender. Melhor ficar com os vinhos que Coppola produz, ainda que, sinceramente, eu aguarde ansioso pelo dia em que Megalopolis finalmente veja a luz do dia — talvez aí o velho Francis volte a mostrar o que realmente sabe fazer.


Transcendence


Nada salva essa bomba chamada Transcendence, produzida por Christopher Nolan — que, junto com Interstellar, parece estar escorregando ladeira abaixo na indústria. Hollywood costuma engolir essas sucessões de fracassos com uma paciência quase milagrosa (Shyamalan que o diga), mas não dá para fingir que esse é um filme decente.

Espero estar errado, mas os e-mails vazados da Sony deixam claro o que os executivos realmente pensam sobre o projeto: um desastre completo. Se esse é o futuro do cinema “pensante” de Nolan, prepare-se para um longo e tortuoso caminho.


OLDBOY


O que foi isso Spike Lee ? Sem comentários.

Spike Lee é, sem dúvida, um dos grandes nomes do cinema contemporâneo, conhecido por sua voz autoral forte e engajada. Mas sua refilmagem de Oldboy é um passo fora do seu universo habitual — claramente um filme de encomenda, onde se percebe a luta do diretor para encontrar sua própria assinatura (Ou melhor, ele nem luta, fica no chão). O resultado é um trabalho morno, sem a intensidade e o frescor do original sul-coreano, que acaba se tornando uma experiência pouco memorável, longe do melhor que Lee pode oferecer.


Outros:
Caçadores de obras primas (George Clooney errou desta vez mas nada que o desabone, apenas chato e superficial)
 Lucy (não há estilo que resista a esse roteiro, embora louvável os franceses fazerem o que os americanos deveriam há tempos: salvo Angelina Jolie não colocar mulheres como heroínas principais)
Refens da Paixão e Homens Mulheres e Filhos (duas bolas fora do Jason Reitman)
O Juiz (Robert Downey Jr interpretando Robert Downey Jr e daqui a pouco disponível no Supercine)
Isolados (filme de terror psicologico meia boca e mal filmado)
Sexy Tape (Comédia americana já é duro, ainda mais uma que não salva nada)
O conselheiro do Crime (tentei gostar mas depois de um tempo vê-se que não salva muito)