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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Estamos Juntos


A distribuição do cinema nacional continua sendo um entrave real para quem vive fora dos grandes centros. Filmes como Estamos Juntos, do diretor Toni Venturi, acabam sendo descobertos com atraso por boa parte do público, salvo exceções que recebem o selo Globo Filmes ou que viralizam em torno de fenômenos como Tropa de Elite. Ainda assim, quando finalmente se tem acesso a produções como essa, é possível encontrar obras que, mesmo com seus tropeços, tentam retratar com autenticidade as camadas contraditórias da vida urbana brasileira.

Lançado em 2011, Estamos Juntos aposta em um drama social com tintas existenciais, centrado na trajetória de Carmem, jovem médica vivida por Leandra Leal. A escolha da atriz, conhecida por sua sensibilidade e presença marcante desde A Ostra e o Vento, é um dos maiores acertos do longa. Leandra entrega uma performance contida, que transmite a solidão de uma mulher aparentemente cercada de pessoas, mas internamente desconectada.

O roteiro, assinado por Hilton Lacerda (Febre do RatoBaixio das Bestas) em parceria com Venturi, acompanha Carmem em seu cotidiano como residente em um hospital público de São Paulo. A cidade, aliás, é um personagem à parte: imponente nas imagens aéreas iniciais, mas rapidamente revelando suas fissuras sociais à medida que a trama avança para uma periferia quase invisível ao olhar médio do paulistano. É nessa tensão entre centro e margem que o filme tenta se equilibrar — com sucesso parcial.

O elenco de apoio é competente, com destaque para Débora Duboc, como colega de trabalho e ponto de apoio emocional, e Cauã Reymond, em uma atuação discreta e funcional. Há também a figura do amigo gay, espécie de conselheiro moderno e sensível, um clichê que o filme quase ultrapassa, mas que ainda carece de complexidade dramática.

Estamos Juntos se propõe a ser um retrato das contradições da juventude urbana de classe média brasileira: solidão, relações líquidas, dilemas éticos e até flertes com engajamentos sociais mais profundos. O problema está na costura desses temas. O roteiro oscila entre o drama íntimo e o comentário social, e embora os dois funcionem em momentos isolados, nem sempre dialogam com naturalidade. O resultado é um filme sincero e bem-intencionado, mas que por vezes parece não saber ao certo qual discurso deseja priorizar.

Ainda assim, Toni Venturi, conhecido por títulos como Latitude Zero e Cabra Cega, mostra domínio da linguagem cinematográfica, especialmente nas escolhas de direção de arte e fotografia, que ajudam a construir uma São Paulo viva, crua e, paradoxalmente, bela em seu caos.

Estamos Juntos não é um filme revolucionário, mas tem seu valor. E apesar de não ser amplamente conhecido, é mais uma prova de que o cinema brasileiro, mesmo fora do radar comercial, ainda tem muito a dizer — e merece ser mais visto, discutido e distribuíd


Toni Venturi abre seu longa Estamos Juntos com um plano aéreo de São Paulo que beira o deslumbramento — a metrópole emerge grandiosa, vibrante. Mas a reverência não dura muito: logo a câmera desce, e o que se vê é a realidade crua das periferias. A imagem é potente e simbólica, antecipando o mergulho do filme nas contradições sociais e emocionais de seus personagens.

É nesse cenário que conhecemos Carmem (Leandra Leal), uma jovem médica residente em um hospital público. Ela divide o apartamento com um rapaz prestativo, conta com o apoio de uma colega de trabalho (vivida por Débora Duboc, sempre precisa) e tem a presença constante de um amigo gay. Ainda assim, Carmem é uma ilha: sua solidão transborda em pequenos gestos, silêncios e na rotina exaustiva que parece sugar qualquer possibilidade de pertencimento.

Leandra Leal segura o filme com a firmeza de quem sabe que está diante de um papel importante — e entrega uma atuação que mescla contenção e fragilidade com grande naturalidade. Carmem é dessas personagens que caminham com o peso do mundo nas costas, mesmo quando estão cercadas de gente. A atriz, que foge dos holofotes fáceis, reafirma aqui seu compromisso com um cinema mais autoral e de conteúdo.

O roteiro, que até então constrói bem esse retrato íntimo da solidão urbana, dá uma guinada ao introduzir o interesse amoroso da protagonista: um músico argentino. Infelizmente, a escolha do ator enfraquece a narrativa. Não se trata apenas de sua aparência física — o cinema está longe de exigir estereótipos de galãs para validar romances —, mas da falta de química e presença cênica. O personagem, que deveria ser catalisador de tensões e transformações, soa deslocado e inverossímil.

Sua presença é tão frágil que compromete inclusive o conflito com o amigo gay de Carmem, que, em teoria, deveria ser um dos pontos dramáticos do filme. A rivalidade amorosa entre os dois soa forçada, quase protocolar, como se estivesse ali apenas para preencher uma cartilha narrativa.

É nesse momento que Estamos Juntos tropeça: ao tentar explorar múltiplas camadas — drama existencial, crítica social, triângulo amoroso —, o filme perde parte da força e da sutileza com que começou. Ainda assim, a direção de Venturi mantém um olhar atento para os detalhes cotidianos, e a fotografia ajuda a reforçar a atmosfera melancólica e abafada de uma São Paulo que nunca dorme — mas tampouco acolhe.

Estamos Juntos não é um filme perfeito, mas é uma característica que admiro no Cinema, o prazer na imperfeição. Tem coração, tem ambição e, principalmente, tem Leandra Leal em um dos melhores momentos de sua carreira. Se tropeça em alguns personagens e em certas escolhas narrativas, compensa com sensibilidade e honestidade. E, num panorama ainda desigual do cinema nacional, isso já é mais do que muita coisa que se vê por aí.

Há filmes que possuem todos os elementos para emocionar — elenco competente, direção experiente, temas socialmente relevantes — mas que, por alguma razão, não conseguem estabelecer uma conexão verdadeira com o espectador. Estamos Juntos, de Toni Venturi, é um exemplo emblemático dessa equação frustrada.

Visualmente, o longa é um deleite. A fotografia, marcada por contrastes entre o concreto melancólico de São Paulo e a intimidade dos espaços fechados, compõe com excelência o retrato de uma cidade impessoal. Há cenas que parecem extraídas de um ensaio fotográfico urbano: são belas, densas, e sugerem muito. Mas o que falta é justamente o essencial — substância dramática que sustente essa estética.

Leandra Leal, uma atriz de talento reconhecido, assume aqui um papel ingrato: Carmem, uma jovem médica fria, distante, emocionalmente disfuncional. É uma personagem que exige empatia, mas não a oferece. Desde o início, há algo de hermético nela — e não no bom sentido. Sua solidão é construída não como uma dor a ser compartilhada, mas como uma indiferença quase arrogante. Mesmo em momentos de suposto altruísmo, como o trabalho comunitário em que se envolve, a personagem se mantém blindada. A causa parece mais ilustrativa do que genuína — como se Carmem estivesse lá para preencher um roteiro que exige, obrigatoriamente, uma preocupação social.

Essa artificialidade reverbera em todo o enredo. O argentino que surge como interesse amoroso não apenas é mal escalado como representa o ápice da desconexão narrativa. Frágil como pivô de conflito, pouco carismático, ele encabeça uma sequência de relações que simplesmente não convencem. A briga com o melhor amigo — clichê dramático esperado — soa desnecessária e pouco fundamentada. A personagem mente para todos, afasta quem tenta se aproximar, rejeita o afeto, e ainda assim, o filme pede que torçamos por ela.

O roteiro, já confuso em suas motivações emocionais, ainda tenta encaixar uma camada social quase documental. Venturi parece dividido entre o drama intimista e o comentário político. E nessa hesitação, o filme enfraquece os dois lados. As inserções de cunho social — que poderiam ser potentes — acabam por soar deslocadas, como se viessem de outro filme. Pior: distanciam ainda mais o espectador da trajetória pessoal de Carmem, que já vinha sendo conduzida com certo desinteresse narrativo.

Em algum momento, Estamos Juntos flerta com os dilemas existenciais de Um Golpe do Destino (1991), estrelado por William Hurt. Mas onde o clássico americano mergulha com sensibilidade no processo de autoconhecimento de seu protagonista, o filme de Venturi parece hesitar, sem nunca abraçar plenamente nem o drama humano nem o social.

No fim, Estamos Juntos é um título irônico. Porque, ao longo de seus minutos, o que se sente é exatamente o oposto: estamos todos — público, personagens e até mesmo a trama — desconectados. Uma pena, porque a intenção parecia nobre. Mas, como o próprio filme sugere, boas intenções, sozinhas, não bastam.

Há uma regra não escrita no cinema: se o espectador não se conecta com os personagens, o envolvimento com a história dificilmente se sustenta. Estamos Juntos, de Toni Venturi, infelizmente, confirma essa máxima ao nos apresentar um conjunto de figuras humanas que, apesar das boas intenções, parecem existir numa bolha emocional inacessível — e não no sentido poético.

Leandra Leal, ainda que competentemente entregue ao papel, encarna uma protagonista difícil de se simpatizar. Sua personagem, Carmem, é tão introspectiva e impenetrável que não nos permite criar qualquer vínculo. Mas ela não está sozinha nessa jornada de distanciamento emocional. O amigo gay, em tese figura de afeto e leveza, surge com uma antipatia quase caricatural. Dira Paes, presença sempre forte no cinema nacional, é relegada a um papel tão irrelevante que chega a constranger — parece estar em cena apenas por obrigação contratual. Já Débora Duboc, uma das poucas tentativas de calor humano no filme, aparece pouco e sem espaço para se desenvolver.

A sensação é a de que todos os personagens estão presos em versões emocionalmente desidratadas de si mesmos — como se o roteiro tivesse receio de permitir qualquer fagulha de empatia. O resultado é um drama que até se esforça para parecer denso, mas que na prática esbarra num vazio emocional que o torna difícil de assistir.

É impossível não lembrar de Como Esquecer, drama de 2010 protagonizado por Ana Paula Arósio, no qual também acompanhamos uma protagonista fria e traumatizada. Mas, ao contrário de Estamos Juntos, aquele filme ao menos tinha um roteiro mais coeso e uma condução emocional menos dispersa. Aqui, o roteiro confuso e enigmático parece não confiar no espectador, como se esconder o que pensa ou sente fosse o único jeito de parecer profundo.

O que sobra? A bela fotografia. De fato, visualmente, o filme é competente. A estética salva momentos soltos e ajuda a compor a atmosfera urbana e melancólica de São Paulo — uma cidade que, ironicamente, acaba sendo mais interessante que todos os seus habitantes ficcionais.

No fim das contas, Estamos Juntos se torna uma experiência distante, pouco recompensadora, que só deve interessar a quem é profundamente dedicado ao cinema nacional ou quer ver qualquer coisa com Leandra Leal — por mais que nem ela consiga carregar, sozinha, o peso de um filme tão emocionalmente bloqueado.

Uma pena. O título sugere proximidade, mas a sensação que fica é de afastamento. Estamos juntos... mas cada um por si.