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terça-feira, 5 de abril de 2011

Tiê - A Coruja e o Coração (ou o Coração da Mamãe Coruja)



Muito se falou das mudanças de sonoridade entre o primeiro e o segundo recém lançado CD da cantora Tiê, porém as mesmas podem ser analisadas pela capa. Enquanto o primeiro CD “Sweet Jardim” , todo em preto e branco apenas com o desenho de um passarinho (referência obvia) o segundo “A Coruja e o Coração” tem a capa branca, com o desenho da artista e alguns tímidos detalhes coloridos.

Se no primeiro predominava o domínio da cantora nas composições no novo apenas “For you and for me”e “Te Mereço” são assinadas exclusivamente pela artista. Não por acaso esta ultima, uma continuação de “Te valorizo” e com sonoridade mais próxima do primeiro disco, fecha o novo trabalho e serve de ponte entre ambos.

Além das parcerias nas letras desta vez são 3 as regravações (o primeiro trazia em uma nova tiragem a singela e honesta cover de “Se Enamora”), sendo duas recentes e até certo ponto óbvias: “Mapa Mundi” do Thiago Pethit e “Só sei dançar com você” da Tulipa Ruiz, ambas lançadas no ano passado. A terceira, já mais ousada eque vai dividir opiniões é o sucesso popular também recente “Você não vale Nada” (aquela mesma que você deve estar pensando). Voltarei a ela depois.

Mais parcerias, vários instrumentos, 3 Covers. Apesar de tudo as canções continuam intimistas como a do primeiro trabalho. Não sei direito mas escrevendo essa resenha me lembrei do filme “Encontros e Desencontros” da Sofia Coppola (se bem que o titulo original “Lost in Translation” vem mais a calhar).

Tiê foi feliz a expandir suas idéias. As parcerias trouxeram novas texturas e ela sabiamente conseguiu sobressair-se a elas.

“For you and for me” a única em inglês tem um clima e levada a lá Velvet Underground. Fiquei esperando Nico entrar com sua voz, mas tão imediato a canção foi se tornando uma legítima musica da Tiê.

“Hide and Seek” com participação de Helio Flanders e que antes tinha aparecido na Internet com letra totalmente em inglês agora mantem apenas o “yes” do começo (ponto pra cantora) e tem uma levada que combina com a próxima canção a já comentada cover de “Você não vale nada”.

Por trás de toda a breguice de “Você não vale nada”, Tiê deve ter percebido uma oculta delicadeza, assim como Zeca Baleiro ao regravar “Proibida pra mim” do enfadonho Charlie Brown. Poderia ser um tiro no pé, mas a bizarrice da mesma, auxiliada pela textura flamenca tornou a musica apropriada e divertida. A letra furiosa contrasta com a voz delicada da artista como se fosse aquela pessoa te dando um fora e gentilmente (ou cinicamente) dizendo que o problema e com ela e não com você. Um tapa com luvas de pelica.

“Te mereço” já comentada e que fecha o disco remete diretamente a sonoridade de “Sweet Jardim” e espertamente convida o ouvinte a ouvi-lo novamente. Um modo esperto de perceber a similaridade entre ambos os trabalhos é colocar ambos pra tocar aleatoriamente, uma musica de um e outra do outro.


Assim , Tiê que já tinha lançado um belo trabalho de “estreia” em 2009 dá um passo à frente, deixando para trás o fantasma do segundo disco e entregando um trabalho mais sólido e consistente, sabendo utilizar as ricas parcerias musicais sem deixar-se descaracterizar ( um perigo quando se trabalha com talentos como Jorge Drexler, Thiago Pethit, Helio Flanders e Karina Zeviani, que aqui trazem suas influências, mas o domínio da obra é totalmente de sua idealizadora).

De ruim, assim como o primeiro apenas a curta duração (herança dos trabalhos de jingles da autora ? ). De qualquer forma, o melhor é ainda deixar o trabalho amadurecer mas dá pra esperar ansiosamente pelo terceiro trabalho, que tenho a teoria que é sempre o auge do artista.



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O texto acima é de um estilo mais blog.
Agora o texto original, e enxuto, publicado no Jornal Candeia esse mesmo ano

Muito se falou sobre as mudanças sonoras entre o primeiro e o segundo disco de Tiê, mas talvez a capa já fosse um bom indicativo. Enquanto Sweet Jardim se apresentava em preto e branco, com o desenho singelo de um passarinho — símbolo quase óbvio da cantora — o novo trabalho, A Coruja e o Coração, traz uma capa branca, com a própria Tiê desenhada e alguns tímidos detalhes coloridos. Uma transição visual que anuncia um pouco do que vem por aí.

Se no primeiro álbum Tiê dominava quase que exclusivamente as composições, aqui apenas duas faixas são assinadas apenas por ela: “For You and For Me” e “Te Mereço”. A última, que fecha o disco com uma ponte direta para o Sweet Jardim, soa como uma continuação natural, reconectando os dois trabalhos sem rupturas bruscas.

As parcerias são protagonistas nesse disco, assim como as regravações: três, no total. Duas delas relativamente óbvias — “Mapa Mundi”, do Thiago Pethit, e “Só Sei Dançar com Você”, da Tulipa Ruiz, ambas recentes e bem encaixadas. A terceira, “Você Não Vale Nada”, é a verdadeira bomba do álbum — a música que você provavelmente está pensando, aquela que é quase um convite ao choque. Mas surpreendentemente, Tiê faz funcionar. A breguice da faixa, envolta em uma textura flamenca, se torna charmosa e até divertida. É como um tapa com luvas de pelica: a letra furiosa é entregue com uma voz doce e quase cínica, como se a própria cantora estivesse dizendo “o problema é você, não eu”, com um sorriso malicioso.

Em termos de sonoridade, as parcerias deram novas camadas às músicas sem que Tiê perdesse o controle da obra. “For You and For Me”, a única em inglês, tem aquele clima Velvet Underground que faz a gente esperar pela voz da Nico a qualquer momento, mas a canção rapidamente se transforma em algo genuinamente Tiê. Já “Hide and Seek”, com participação de Hélio Flanders, suavizou sua versão anterior inteiramente em inglês, mantendo só um “yes” no início, e ganhou uma levada que combina com a sequência do disco.

Apesar do acréscimo de colaboradores como Jorge Drexler, Thiago Pethit, Hélio Flanders e Karina Zeviani, que imprimem suas marcas, o domínio do álbum é, sem dúvida, de Tiê — a verdadeira idealizadora por trás de tudo.

O único ponto negativo — que parece uma herança da época dos jingles da cantora — é a curta duração do álbum, que deixa aquele gostinho de “quero mais”. Mas, no mais, A Coruja e o Coração é um passo à frente, um trabalho mais sólido, que revela uma artista em expansão sem perder a sua essência intimista.

Agora, é esperar ansiosamente pelo terceiro disco — o momento em que, na teoria, o artista realmente alcança seu auge.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Levando o Jô Soares a sério (ou uma desculpa para falar de Internet)

As pessoas parecem ter uma dificuldade danada em entender que o Programa do Jô é, antes de tudo, um programa de humor. Sério, fico me divertindo com a turma que leva aquilo a ferro e fogo, como se fosse uma sessão solene da Academia Brasileira de Letras. E pior: tem fã que encara tudo aquilo como se fosse o discurso da ONU.

Volta e meia, quando assisto algum cantor ou cantora que gosto, dou aquela bisbilhotada nos fóruns, principalmente no Orkut — aquele museu dos nossos tempos — e vejo uma legião de xingamentos que faria até o mais paciente dos monges tirar o salto. Aí fico pensando: será que essas pessoas nunca assistiram ao programa do Jô? Ou será que não perceberam que o que rola ali é uma mistura de bate-papo com comédia, um “stand-up” leve, tipo aquele tio meio louco que faz piada na ceia de Natal e você finge que acha engraçado?

O barato do programa é justamente a habilidade do Jô de despir o cantor daquela pose séria, quase sacra, e mostrar um lado mais humano, mais mundano. O problema é que a raça dos fãs é praticamente inimiga do bom humor. Não todos, claro, mas aqueles fãs xiitas — que, às vezes, nem são tão fanáticos, mas perderam o senso crítico em algum ponto do caminho e vivem numa espécie de delírio coletivo, tipo um culto ao santo vinil.

Quando o artista é obrigado a tocar antigos sucessos, a turma já reclama, “ai, só toca essas velharias”. Quando toca algo novo, inédito, é outro horror: “Mas que porcaria é essa? Cadê o som que eu gostava?” É claro que às vezes o novo não é lá essas coisas — eu mesmo já ouvi umas músicas que me fizeram pensar se o microfone não estava ligado pra captar o som ambiente — mas muitas vezes é só preguiça do fã em abrir a mente para o novo.

E olha, uso o termo fã, mas será que isso é fã mesmo? Ou “Maria vai com as outras” que só repete o que o coleguinha da internet falou? Porque, convenhamos, fã que é fã não deveria ser tão facilmente manipulável — e sim capaz de rir do próprio ídolo, afinal, ninguém é santo, nem o João Gilberto, que deve ser o cara mais sisudo da face da terra, mas tenho quase certeza que em casa ele deve rir de alguma piada besta, mesmo que só por educação.

Pense no fã do Los Hermanos, por exemplo — essa galera que disputa com os do Legião Urbana e Raul Seixas o título de fã mais “cru” do país. Já pensou o que seria ver o Marcelo Camelo rindo com o Amarante falando de churrasco, papo furado, essas coisas mundanas? Seria o fim do mito, o apocalipse da seriedade da banda!

Ontem, por exemplo, a vítima da vez foi a cantora Tiê. Um pouco tímida, sim, mas que soltou um lado dela que poucos conhecem. Jô, com seu jeito quase paternal, foi puxando as curiosidades da cantora como quem caça marimbondo com vara curta: devagar, com jeitinho, mas sem deixar escapar nada. Aí vem os fãs, que já sabem tudo — ou acham que sabem — e querem ouvir só a mesma ladainha de sempre, como se eles fossem os donos da verdade.

E não adianta: o fã morre de medo de que a imagem do ídolo se quebre, que o “mito” vire gente como a gente — que, aliás, é exatamente o que o programa do Jô tenta mostrar. Tem também o fã enciumado, que fica bravo porque o artista que ele jurava exclusivo está agora na boca do povo, depois de aparecer num programa que tem audiência. Claro, o fã legítimo é aquele que estava lá desde a fase underground, antes do artista ter site, blog, Twitter e até canal no TikTok.

Agora, vamos combinar: a internet revolucionou tudo, isso é fato. Mas muitos artistas ainda não sacaram que, por mais que o YouTube e Spotify ajudem a espalhar o som, o alcance popular só vem mesmo pela velha e boa TV e rádio. A internet é um reflexo disso, uma espécie de espelho onde a gente procura o que viu no outro meio. Mallu Magalhães, por exemplo, bombou no MySpace, mas só virou fenômeno nacional depois que apareceu no Jô e no Faustão — isso para o bem e para o mal, claro.

No fim das contas, o artista que acha que pode viver só da internet está meio enganado. O melhor é usar a rede como uma ferramenta a mais, um atalho para se conectar com o público, mas jamais esquecer que ainda tem muita gente que prefere sentar no sofá, ligar a TV e ver um programa na boa, sem precisar ficar mudando de aba no navegador.