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domingo, 15 de maio de 2022

“O Homem do Norte” é mais Eggers do que épico, para o bem e para o mal

Desde que foi anunciado, O Homem do Norte, novo filme de Robert Eggers, parecia marcar um ponto de virada na carreira do diretor. Conhecido por obras de terror psicológico e atmosferas opressivas como A Bruxa (2015) e O Farol(2019), Eggers agora embarcava em um suposto épico viking — com orçamento robusto, elenco estelar e apoio de estúdios maiores. A expectativa, alimentada por trailers e pela imprensa internacional, era de um filme grandioso, sanguinário e mais acessível do que seus trabalhos anteriores. Mas essa não é, exatamente, a experiência entregue em tela.

Apesar da narrativa seguir a estrutura clássica da jornada do herói, com raízes diretas na lenda nórdica de Amleth (que viria a inspirar Hamlet), O Homem do Norte está longe de ser um épico hollywoodiano tradicional. A fotografia fria e expressionista, os enquadramentos rituais e o ritmo contemplativo indicam que Eggers continua mais interessado em atmosferas do que em set pieces grandiosas. Em muitos sentidos, o filme é uma continuação de suas obsessões estéticas — o mito pagão, a identidade e a brutalidade arcaica — do que uma ruptura com sua filmografia.

O maior problema, talvez, esteja na forma como o filme foi vendido. Ao prometer algo próximo de Gladiador ou Coração Valente, o marketing do estúdio criou uma expectativa que o filme deliberadamente não satisfaz. O caso lembra o de O Cavaleiro Verde (David Lowery), também promovido como uma aventura medieval quando, na prática, era uma meditação poética sobre o destino e a identidade. Ambos são filmes que parecem desafiar o espectador médio, sobretudo aquele menos acostumado com o cinema de autor disfarçado de blockbuster.

Apesar de contar com um orçamento maior do que seus projetos anteriores, O Homem do Norte ainda parece contido em sua escala. Fica claro que Eggers teve de equilibrar concessões ao estúdio com sua própria visão autoral. Há um certo desconforto entre a crueza da narrativa e a estilização forçada de algumas cenas — como os delírios xamânicos envolvendo a Árvore da Vida, ou a controversa sequência da Valquíria. Em vez de transcendência, o que se vê é uma estética que às vezes escorrega no brega.

Outros paralelos com Darren Aronofsky vêm à tona, especialmente com A Fonte da Vida (2006), que, após os cultuados Pi e Réquiem para um Sonho, prometia ser uma superprodução filosófica, mas foi contida por restrições orçamentárias e expectativas equivocadas. Tal como Aronofsky, Eggers aqui parece dividido: ora fiel à sua linguagem, ora capturado por um projeto que exige escala que nem sempre se sustenta.

A atuação de Alexander Skarsgård carrega o filme com intensidade física, mas o arco de seu personagem é previsível — uma vingança linear com poucos dilemas morais. A motivação central (vingar a morte do pai e resgatar a mãe) não evolui muito ao longo da trama, o que torna a segunda metade do filme repetitiva, mesmo com reviravoltas ensaiadas. O romance com a personagem de Anya Taylor-Joy busca humanizar o protagonista, mas carece de profundidade e ganha cenas francamente constrangedoras, como a já comentada "conchinha sob as estrelas".

Se há ambição no texto, ela aparece nos diálogos que tentam evocar Shakespeare, mas raramente alcançam sua complexidade. As passagens mais líricas parecem deslocadas ou, no máximo, funcionam como ecos de obras superiores. O clímax, que se pretende épico, remete visualmente ao inferno de A Vingança dos Sith (Star Wars – Episódio III), sem a pompa digital, mas também sem o impacto emocional esperado.

No fim das contas, O Homem do Norte pode agradar tanto aos fãs mais fiéis de Eggers quanto a uma geração de jovens cinéfilos fascinados com obras densas e "diferenciadas", mas ainda em busca de repertório para situá-las no contexto do cinema contemporâneo. A obra está, sim, acima da média entre os blockbusters atuais, mas está longe de ser uma obra-prima — e talvez seja vítima justamente dessa expectativa.

Mais do que um épico viking, O Homem do Norte é um filme de terror psicológico disfarçado de aventura mitológica. Um filme que não se entrega nem totalmente ao art house, nem ao espetáculo. E no meio do caminho, perde parte da força que poderia ter.