Páginas

PESQUISE NESTE BLOG

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Guerra Nas Estrelas - O Despertar da Força (O Melhor Capitulo da Saga ?)

  CONTEXTO

 
  A estreia do novo capítulo da saga Guerra nas Estrelas nos cinemas reacendeu uma velha polarização entre o entusiasmo nostálgico dos fãs e a crítica quanto à repetição de fórmulas consagradas. Curiosamente, aquilo que o longa tem de mais eficiente — seu respeito à estrutura clássica e à mitologia original — também revela sua principal limitação: a ausência de ousadia criativa.

Desde que a Disney adquiriu a Lucasfilm em 2012, houve receios de que o estúdio imprimisse sua marca infantilizada à franquia, transformando-a em mais um produto plastificado de seu extenso catálogo. A crítica, embora previsível, não resiste a uma contradição: o próprio George Lucas já havia iniciado esse processo de diluição da essência da série ao revisar continuamente os filmes originais e lançar uma trilogia prelúdio repleta de efeitos digitais problemáticos e personagens caricatos.

Vale lembrar que a Disney, em suas outras aquisições, como a Pixar ou a Marvel Studios, costuma manter certa autonomia criativa para preservar a identidade das marcas. No caso da Pixar, inclusive, a qualidade narrativa frequentemente supera a das animações produzidas sob o selo Disney. Já a Marvel, mesmo com sinais de esgotamento narrativo nos últimos anos, consolidou um modelo comercial de sucesso indiscutível.

Se houver quem acuse o novo Guerra nas Estrelas de "excessivamente Disney", talvez esses espectadores tenham esquecido de como O Retorno de Jedi (1983) já flertava com soluções fáceis e personagens direcionados ao público infantil, algo intensificado em A Ameaça Fantasma (1999), onde a presença de Jar Jar Binks marcou um dos momentos mais controversos da saga. Assim, o argumento da “disneyficação” soa mais como um efeito psicológico da marca do que um traço real do novo filme.

As tentativas anteriores de George Lucas de revisitar sua obra-mestra na trilogia prelúdio foram notoriamente problemáticas. A estética plástica dos cenários digitais, os diálogos carregados de jargões pseudo-políticos e um elenco renomado mal conduzido — com atuações apagadas de Natalie Portman, Ewan McGregor e Liam Neeson — resultaram em filmes que, apesar do sucesso comercial, ficaram aquém das expectativas de um público que ansiava por profundidade e inovação.

Lucas, ao contrário de cineastas como Francis Ford Coppola, que segue experimentando em projetos autorais mesmo com resultados incertos, sempre alegou querer fazer "filmes pequenos", mas nunca o fez. Detentor de uma das maiores franquias da cultura pop, seguiu teimosamente no controle de sua criação, ignorando alertas de amigos e críticos. Sua insistência em manter Jar Jar Binks, mesmo após a rejeição quase unânime, é exemplo da sua relutância em admitir erros.

Com a aquisição da franquia, a Disney escolheu para a direção J.J. Abrams, cineasta que já havia demonstrado sua reverência ao cinema dos anos 1980 em Super 8, uma homenagem clara aos filmes de Steven Spielberg. Abrams também havia revitalizado Jornada nas Estrelas — uma franquia tradicionalmente mais cerebral e menos aventureira — aplicando uma dinâmica mais próxima de Guerra nas Estrelas, o que tornou sua escolha como diretor algo quase inevitável.

O novo Guerra nas Estrelas, portanto, carrega o peso da responsabilidade histórica: agradar a legiões de fãs, retomar a identidade perdida na trilogia prelúdio e ao mesmo tempo atrair uma nova geração de espectadores. O resultado? Um filme tecnicamente impecável, reverente ao cânone, emocionalmente eficiente — mas que, justamente por ser tão respeitoso, evita correr riscos reais. E talvez esse seja seu único e maior pecado.


O DESPERTAR DA FORÇA

Com o anúncio oficial do novo Guerra nas Estrelas, coube a J.J. Abrams — conhecido tanto por ressuscitar franquias quanto por ser um entusiasta declarado dos anos 80 — a missão de pilotar a espaçonave mais icônica do entretenimento contemporâneo. Para isso, ele não poupou esforços em acenar tanto aos veteranos quanto aos novos recrutas da saga.

Abrams convocou os pesos-pesados da trilogia original: Harrison Ford, Mark Hamill e Carrie Fisher, além dos eternos coadjuvantes Anthony Daniels (C-3PO) e Peter Mayhew (Chewbacca), compondo uma estratégia que misturava fan service com continuidade narrativa. Ao mesmo tempo, garantiu que usaria uma abordagem híbrida nos efeitos visuais — combinando cenários práticos e maquetes com CGI — em uma tentativa deliberada de resgatar a textura visual clássica dos primeiros filmes, enquanto ainda entregava um espetáculo tecnicamente compatível com as exigências do século XXI.

A narrativa se situa cerca de três décadas após os eventos de O Retorno de Jedi, o que justifica, sem maquiagem digital embaraçosa, o envelhecimento natural dos personagens originais. Luke Skywalker, agora uma lenda ausente, teria tentado reconstruir a Ordem Jedi treinando novos aprendizes, até ser traído por um deles — uma alusão deliberada e algo enigmática a uma queda para o Lado Sombrio. Dominado pela culpa, Skywalker desaparece, optando pelo autoexílio. Esse desaparecimento passa a ser o eixo da trama: tanto a Primeira Ordem — sucessora ideológica e bélica do antigo Império — quanto a Resistência (remodelação da Aliança Rebelde) buscam por ele com finalidades opostas.

Nesse universo onde a política galáctica parece repetir padrões conhecidos, a mensagem é sutil, mas presente: mudar nomes não transforma estruturas. O Império é agora Primeira Ordem, mas suas práticas continuam sombrias. Talvez soe familiar para certos setores que acreditam que, derrubando um líder político, o país florescerá como Naboo em dias de paz — quando, na verdade, a sombra do Império insiste em pairar sobre qualquer república, ficcional ou não.

O filme inicia com Poe Dameron, piloto da Resistência interpretado com carisma por Oscar Isaac, recebendo fragmentos de um mapa que indicaria o paradeiro de Luke Skywalker. A ação se passa em Jakku, planeta árido e arenoso que remete inevitavelmente a Tatooine, como uma espécie de reedição segura do ponto de partida mítico da saga. A nostalgia é calculada. A presença breve de Max von Sydow, mesmo em um papel pequeno, fornece à abertura uma aura de gravidade semelhante à que Alec Guinness trouxe à trilogia original.

Antes mesmo da entrada em cena de Han Solo e Chewbacca, já está claro que o filme sabe o território que pisa. Não se trata apenas de uma continuação, mas de uma retomada simbólica da mitologia espacial criada por George Lucas. E se a promessa era devolver a saga ao seu espírito original, Abrams consegue, ao menos neste primeiro momento, nos fazer sentir que — gostemos ou não dos rumos — estamos de volta para casa.



Se George Lucas parecia ter dificuldades em extrair grandes performances até mesmo de atores consagrados — basta lembrar do tom robótico de Natalie Portman ou da expressão estoica de Liam Neeson — J.J. Abrams mostra logo de início que sabe como conduzir emoções, mesmo quando seu ator principal está coberto da cabeça aos pés.

Na abertura do filme, um stormtrooper, ainda sem identidade revelada, é mergulhado no horror de um massacre. Não há diálogos profundos, apenas planos fechados e linguagem corporal precisa que transmitem um desconforto crescente. Em meio a uniformes padronizados e capacetes que escondem expressões, Abrams já apresenta o que Lucas nunca conseguiu fazer em três episódios da trilogia prelúdio: um stormtrooper com empatia. É nesse momento também que o novo vilão, Kylo Ren, surge em cena com autoridade e imponência — assim como Darth Vader fazia em Uma Nova Esperança, sem rodeios ou construção gradual. A ameaça está ali desde o primeiro frame.

O roteiro introduz, de forma quase discreta, elementos que contradizem suposições populares formadas ao longo dos anos. Um exemplo é a ideia de que todos os stormtroopers são clones, herança das Guerras Clônicas. Um diálogo breve trata da possibilidade de retomar o uso de clones, indicando que os soldados atuais são, sim, humanos recrutados e condicionados. O detalhe é pequeno, mas significativo para os fãs atentos ao cânone expandido.

Em seguida, conhecemos a nova protagonista da franquia: Rey, introduzida de forma espelhada ao stormtrooper desertor, também sob uma máscara. O símbolo é forte. Mas, diferentemente de tantas personagens femininas anteriores, Rey logo descarta o acessório — e o papel passivo de "princesa em perigo" com ele. A heroína assume protagonismo sem precisar ser apresentada como tal em letras garrafais. O filme não é panfletário, mas entende os tempos em que vive: há espaço para uma mulher forte que não precisa ser salva, e que contesta, inclusive, esse impulso — como na cena em que é puxada pela mão por Finn e imediatamente o corrige. Um toque sutil, mas eficaz.

Ainda assim, essa nova centralidade pode causar desconforto a alguns espectadores menos afeitos à ideia de que personagens femininas também podem ser complexas e poderosas. Na luta final com Kylo Ren, Rey o enfrenta de igual para igual, o que para alguns poderá parecer inverossímil. Mas Abrams planta as pistas com cuidado: Kylo, embora poderoso, é desequilibrado e vulnerável, enquanto Rey, instintiva e centrada, mostra-se conectada à Força de maneira inesperada.

O antagonista, interpretado por Adam Driver, é um dos pontos altos do filme. Kylo Ren carrega em si um paradoxo: é ao mesmo tempo ameaçador e imaturo. Seu uso da máscara é revelador — não apenas como um item funcional, mas como símbolo de insegurança, quase um cosplay sombrio de seu ídolo Darth Vader. Abrams explora esse aspecto psicológico com inteligência. Em dois momentos cruciais — o confronto com Han Solo e o embate final com Rey — Kylo é despido de seu disfarce, literal e emocionalmente. Quando seu pai o confronta, dizendo “tire essa máscara, você não precisa disso”, há mais do que um apelo paternal: há o desmonte simbólico de sua persona artificial. E, sem a máscara, Ren jamais parece tão vulnerável.

Na batalha final, essa dualidade se intensifica. Ao ser desafiado por Rey, ele deixa de ser o vilão imponente para se tornar o jovem confuso que se esconde atrás de um capacete e uma linhagem. A cena — uma das mais bem coreografadas da franquia recente — tem peso dramático e visual, amparada por uma trilha sonora eficaz e montagem precisa. E se Rey for, como especula-se, parte da linhagem Skywalker, então temos aqui não apenas uma heroína à altura, mas possivelmente a mais poderosa da saga. Um detalhe que certamente fará muito fã conservador espumar nas redes sociais.

Em resumo, J.J. Abrams entrega um primeiro ato que compreende o universo em que está inserido, respeita seus símbolos, renova arquétipos e atualiza a narrativa sem desconstruí-la gratuitamente. E se alguns fãs mais resistentes sentirem urticária com as novas direções, talvez seja hora de lembrar que Guerra nas Estrelas sempre foi, acima de tudo, uma história de transformação — pessoal, política e mítica.



Ao optar por retornar às origens com maquetes, cenários físicos e efeitos visuais práticos, J.J. Abrams deixou claro que seu objetivo era resgatar o espírito da trilogia clássica de Guerra nas Estrelas. No entanto, é irônico que justamente o elemento mais artificial do novo episódio seja também o mais frágil visualmente: o Líder Supremo Snoke, personagem 100% digital e sem textura convincente. Interpretado por Andy Serkis — cada vez mais consolidado como uma espécie de "Johnny Depp da captura de movimento" — Snoke carece de peso dramático e presença estética. Sua aparência digitalizada remete mais a um vilão genérico de videogame do que ao comandante sombrio que deveria simbolizar a ameaça definitiva da Primeira Ordem.

Essa fragilidade é agravada por uma das sequências mais constrangedoras do filme: o discurso inflamado da Primeira Ordem, encenado com gestos coreografados e uma direção de arte que remete explicitamente à estética nazista. A tentativa de criar um paralelo visual com os regimes totalitários do século XX é compreensível, mas a execução escorrega no exagero. Domhnall Gleeson, como o General Hux, entrega uma performance histriônica que parece parodiar o estilo de Christoph Waltz — porém sem o refinamento cínico que fez do ator austríaco um mestre das palavras afiadas. O resultado soa teatral demais até mesmo para o universo hiperbólico de Guerra nas Estrelas.

Abrams entende o peso simbólico dos personagens clássicos e, ciente da expectativa do público, opta por reapresentá-los com parcimônia. O retorno de Han Solo, Chewbacca e da lendária Millennium Falcon é entregue em doses homeopáticas, cuidadosamente inseridas ao longo do segundo ato. Ainda que Harrison Ford e Carrie Fisher revelem certa canastrice — compreensível após décadas distantes desses personagens —, a presença deles carrega uma carga emocional legítima. O simples reencontro dos rostos familiares com os cenários icônicos já é o suficiente para arrancar um sorriso do público.

Contudo, a forma como a Millennium Falcon é reencontrada pelo novo trio protagonista e imediatamente retomada por Han e Chewie revela um roteiro pouco inspirado. A coincidência é forçada e o timing, artificial. Abrams tenta compensar com diálogos ágeis e piadas bem colocadas, e em parte consegue. A explicação posterior — quando Han comenta que, se eles acharam a nave tão rapidamente, a Primeira Ordem também poderia — é uma tentativa de justificar a coincidência dentro da lógica narrativa. Não convence plenamente, mas pelo menos tenta.

Há, no entanto, uma escolha acertada na construção dos personagens: trazer Han Solo e Chewbacca de volta às suas raízes como contrabandistas. É coerente com a trajetória do personagem e com a sua natureza escorregadia. Como diz o ditado, pau que nasce torto... E Solo, ao que tudo indica, manteve-se fiel a sua reputação de trambiqueiro com um coração imprevisível. Entre as entrelinhas do roteiro, é possível deduzir que sua relação familiar nos últimos 30 anos não foi exatamente exemplar — o que apenas reforça seu perfil tragicômico.

Outro acerto está na trilha de John Williams, utilizada de forma sutil e eficaz. Um exemplo notável é a cena do capacete derretido de Darth Vader: a música entra não para reforçar a ação, mas para ampliá-la emocionalmente. É um momento de reverência que estabelece o peso simbólico daquele objeto — e do legado que carrega.

O sabre de luz, que pertenceu a Luke e antes a Anakin, surge misteriosamente em um porão, remetendo diretamente à cena onírica de O Império Contra-Ataca, quando Luke enfrenta sua própria imagem sob a máscara de Vader. Aqui, o roteiro propõe uma rima temática clara, mas evita explicações fáceis. Quem guardou o sabre? Por que ele está ali? E, principalmente, quem é Maz Kanata — a personagem digital interpretada por Lupita Nyong’o — que faz as vezes de guia espiritual, quase como uma nova versão de Yoda? São perguntas que ficam em aberto, provavelmente a serem desenvolvidas nas continuações, ou, como é praxe na atual lógica transmídia de Hollywood, em romances e HQs canônicas.

Com O Despertar da Força, J.J. Abrams cria uma ponte entre a nostalgia da trilogia original e a necessidade de renovação. Os tropeços existem — alguns digitais, outros narrativos — mas o saldo geral é de um capítulo digno, que compreende a mitologia que carrega e se compromete a honrá-la com seriedade, mesmo que de vez em quando escorregue na reverência excessiva.



  A conexão entre Rey e Luke Skywalker — ainda envolta em mistério no desfecho de O Despertar da Força — soa, à primeira vista, como uma saída narrativa confortável demais. A ideia de que ela possa ser filha (ou até sobrinha) do último Jedi remanescente insere o filme em um território já conhecido e, por isso mesmo, previsível. O incômodo não está apenas na repetição de um elo genealógico, mas na redução de uma galáxia inteira a um punhado de personagens interligados — um problema que lembra o roteiro de O Espetacular Homem-Aranha, onde todos os envolvidos na trama parecem parte de uma mesma árvore genealógica mal disfarçada. Se essa coincidência já soa preguiçosa no contexto de Manhattan, imagine então em uma galáxia “muito, muito distante”.

Ainda assim, é importante lembrar: Guerra nas Estrelas sempre foi, fundamentalmente, a saga da família Skywalker. A história pessoal se confunde com a política galáctica, e os dilemas familiares atravessam os séculos e impérios. Se Rey realmente fizer parte dessa linhagem, isso pode fazer sentido dentro do arco macro da narrativa — ainda que a execução desse vínculo mereça mais sutileza nos capítulos seguintes.

O roteiro deixa muitas perguntas em aberto — e isso não é necessariamente um defeito. Existe uma tendência comum entre espectadores de confundir complexidade com falha narrativa. Só porque uma obra não explica tudo de imediato não significa que ela é mal escrita. A expectativa de respostas imediatas, potencializada pela lógica dos blockbusters modernos, pode atrapalhar a apreciação de uma obra pensada como o primeiro ato de uma nova trilogia.

De fato, o roteiro de O Despertar da Força pode, em uma leitura superficial, parecer derivativo. Há paralelos evidentes com os episódios IV (Uma Nova Esperança) e V (O Império Contra-Ataca): planeta desértico, herói órfão, robô com informação vital, mentor misterioso, nova Estrela da Morte, etc. Porém, J.J. Abrams é hábil o suficiente para transformar essas rimas visuais e narrativas em uma homenagem respeitosa ao legado da série. E, consciente da responsabilidade, convidou ninguém menos que Lawrence Kasdan — coautor de O Império Contra-Ataca e Os Caçadores da Arca Perdida— para colaborar na estrutura dramática. O resultado é um roteiro que equilibra reverência e reinvenção, com diálogos ágeis, humor bem distribuído entre os personagens e uma dinâmica que mantém o ritmo sem atropelar as emoções.

O aspecto técnico reforça essa construção cuidadosa. Os efeitos visuais são bem dosados, sem o excesso digital que prejudicou a trilogia anterior. A direção de arte respeita o legado estético da série e a fotografia encontra equilíbrio entre a novidade e o tradicional. Há espaço para a emoção, para o senso de aventura e, sobretudo, para o encantamento que a série sempre soube despertar.

Ainda assim, é impossível ignorar o maior elefante no set: uma nova Estrela da Morte. A arma planetária da Primeira Ordem — agora com outro nome, mas a mesma função narrativa — surge como um recurso reciclado, sem a mesma tensão que acompanhou as duas versões anteriores. A destruição de mundos já não causa o impacto emocional esperado, e a ausência de desenvolvimento dramático desses alvos transforma o clímax em um espetáculo vazio. É um gesto que parece mais voltado ao “fan service” do que à evolução do universo narrativo.

Apesar disso, o saldo final é positivo. O filme funciona tanto para os fãs veteranos quanto para novos espectadores. Para aqueles que conhecem apenas os filmes e não mergulharam no extenso Universo Expandido, algumas lacunas podem parecer desconcertantes, mas não comprometem a experiência. Já para quem nunca viu um capítulo da saga, O Despertar da Força oferece uma porta de entrada eficiente, clara e envolvente.

Abrams entrega, enfim, um episódio consistente, que respeita o passado sem ignorar as demandas do presente. Pode não ser revolucionário como O Império Contra-Ataca, mas talvez seja o mais equilibrado desde então. Se os novos fãs têm sorte, é porque agora têm um ponto de partida digno — e, com sorte, a saga poderá continuar crescendo com eles.


 NOTA 8

O QUE ESPERAR

Uma das vantagens narrativas da nova trilogia de Guerra nas Estrelas é, ironicamente, a liberdade. Ao contrário da trilogia-prelúdio (episódios I a III), marcada por uma rigidez estrutural previsível — todos já sabiam que Anakin Skywalker acabaria se tornando Darth Vader, que Padmé precisaria morrer, que os gêmeos seriam separados, e que Obi-Wan e Yoda terminariam exilados — a nova fase da saga oferece possibilidades mais abertas e imprevisíveis. Em tese, tudo pode acontecer.

No entanto, O Despertar da Força, ao invés de abraçar essa liberdade criativa, optou por andar de mãos dadas com a trilogia clássica, reverberando cenas, estruturas e até conflitos quase como uma simulação reverente. A decisão, embora compreensível do ponto de vista mercadológico — reconquistar o público nostálgico, acalmar os críticos das prequels e reacender a chama da Força nos fãs —, acaba por limitar o frescor que a nova história poderia oferecer.

Se por um lado o filme acerta ao apresentar novos protagonistas carismáticos e delinear um vilão com camadas psicológicas interessantes, por outro, falha em ousar na trama. O excesso de paralelismos com o episódio IV enfraquece a originalidade e deixa a impressão de que o roteiro, embora sólido, ainda estava preso a uma espécie de "muleta emocional" dos filmes anteriores.

Mas nem tudo está perdido — pelo contrário. O segundo capítulo dessa nova trilogia tem, em suas mãos, a missão (e a oportunidade) de expandir de fato esse universo, de aprofundar as motivações dos personagens e de levar a saga para territórios inesperados. Se O Despertar da Força foi a introdução nostálgica, a sequência pode (e deve) ser o ponto de ruptura. O episódio VIII, à época ainda sem título, carrega consigo a responsabilidade de provar que a Disney não está apenas reciclando o passado, mas investindo na renovação real da franquia.

Claro, há o risco — sempre presente — de que o roteiro escorregue novamente em reverências desnecessárias. E convenhamos, ninguém quer ouvir Kylo Ren dizendo, entre suspiros sombrios, “Luke, eu sou o seu filho”.

Que a Força os mantenha criativos.







segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Bob Lester - O Contador de histórias




Confesso: até o dia de sua morte, nunca havia ouvido falar de Bob Lester. E mesmo assim, na ocasião, fiquei apenas com a manchete — não me dei ao trabalho de ler a matéria. Parecia mais um daqueles obituários protocolarmente generosos, em que um nome de outro tempo, que ninguém se lembra de fato, recebe um último tapinha nas costas da posteridade.

O curioso — e é sempre aí que a história melhora — é que, dias depois, descobri pela coluna de Ruy Castro, na Folha de S.Paulo, que a biografia de Lester era, digamos, pura coreografia. E das mais inventivas.

Segundo ele mesmo — e apenas ele — Bob havia sido músico e dançarino de Carmen Miranda, contracenado com Fred Astaire, Bob Hope e outros astros de uma Hollywood que só existe nos filmes da TCM. Deu entrevistas, apareceu no Programa do Jô, encantou jornalistas com uma lábia que nem precisava de coreografia. Uma busca rápida no Google nos leva a uma página robusta na Wikipédia — recheada, claro, de informações tão verossímeis quanto um musical da Metro (o autor desse texto na wikipedia também caiu no conto)

Ora, se Bob queria entrar para a história, entrou. Sua lenda tornou-se maior do que ele. E isso, no fundo, é a verdadeira glória de certos personagens: não serem verdadeiros, mas convincentes. O Brasil, esse país que adora um personagem (melhor ainda se for inventado), o acolheu como tal.

E pensar que bastava um jornalista — um só — ter se perguntado por que o nome de Lester jamais apareceu nos discos da Pequena Notável. Mas quem é que resiste a uma boa história, ainda que falsa?

Se Lester merece uma grande matéria nesse grande circo que é a mídia? Talvez. Ou talvez apenas esta notinha. Mas, por favor, com cortina vermelha, luz dramática e aplausos na coxia. Afinal, a lenda já está criada. Que não se atrapalhe agora com detalhes tão desnecessários como a verdade.