Sinto o como um câncer
Crescendo dentro de mim,
Mas não está em mim —
É um invasor gentil,
Um estranho que não rouba,
Mas que transforma cada célula,
Cada pensamento, cada gesto.
São apenas sentimentos,
A ilusão tênue de que eu não posso mais ser,
De que tudo que fui se dissolve,
Como areia escorrendo pelos dedos,
E um novo mundo se abre,
Mas não para mim,
Para ele — para o outro —
Que cresce lá dentro, silencioso.
Mudança de identidade,
Deixar de ser seu, para ser dele,
Desfazer-se de velhas certezas,
Para construir pontes desconhecidas,
Entre o ontem e o amanhã,
Entre o que fui e o que serei.
Quero apenas continuar pelo mesmo caminho,
Mas sei que ele se bifurca —
O velho eu ao lado do novo pai,
Um paradoxo vivo, pulsante,
Que a cada batida me chama, me desafia,
A ser menos e a ser mais,
Ao mesmo tempo.
No silêncio do ventre,
Sinto o que não posso tocar,
Vejo o futuro que ainda não chegou,
E mesmo com medo, com dúvida,
Há uma chama que não se apaga:
O desejo infinito de caminhar,
De mãos dadas, na estrada que agora somos.
VERSÃO 2
Sinto como um câncer a expandir,
Dentro de mim a vida a surgir,
Mas não é em mim que está a florir,
É outro ser a me construir.
São sensações que vêm e vão,
Ilusão que rouba a razão,
De que sou eu a perder a mão,
E ele nasce na imensidão.
Mudança fina, identidade,
De ser teu a ser metade,
De deixar o eu, com saudade,
Pra abraçar a novidade.
Quero, sim, continuar,
Por trilhas que vêm a se dobrar,
Mas é preciso me reinventar,
Para o mesmo rumo caminhar.
No ventre, o tempo é segredo,
Mistério puro e enredo,
De um amor que é mais que medo,
É nascer inteiro no enredo.
E assim sigo em transformação,
Entre o fim e a criação,
Pai e filho em comunhão,
Eterno laço, eterna canção.